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+ ciência Evolução
Estudo que mede agressividade de insetos indica que grilos têm mecanismo
de reabilitação instantânea após ser derrotados por seres da mesma espécie
Insetos duros na queda
Divulgação
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Griloes da espécie Gryllus bimaculatus lutam durante experiência científica |
Marcelo Valletta
da Reportagem Local
As pessoas que assistiram ao filme "O
Último Imperador" (1988), do cineasta italiano Bernardo Bertolucci, devem se lembrar de uma cena em que um
velho soldado chinês entrega um pote de
vidro com um grilo ao futuro soberano.
Na China, esses insetos são colocados
para lutar em competições semelhantes
às rinhas de galo no Brasil.
Inspirados nas técnicas dos donos desses insetos para fazer seus campeões disputarem repetidos confrontos em um
curto espaço de tempo, dois cientistas do
Instituto Zoológico da Universidade de
Leipzig, na Alemanha, descobriram que
grilos derrotados têm sua agressividade
estimulada após voarem por alguns segundos. Normalmente, grilos que perdem um combate demoram até 24 horas
para voltar a lutar.
"A influência do vôo nos níveis de
agressividade dos grilos pode ser uma
adaptação provocada pela seleção natural durante a evolução dessa espécie",
disse à Folha o biólogo Hans Hofmann,
atualmente professor da Universidade
Stanford, nos EUA. Hofmann e seu colega Paul Stevenson publicaram os resultados de suas experiências na revista "Nature" de 10 de fevereiro.
O mecanismo que causa esse curioso
fenômeno ainda é desconhecido pelos
cientistas. Segundo Hofmann, "a retomada da agressividade por meio do vôo
em grilos é o único exemplo conhecido
de ativação de um movimento que afeta
um comportamento subsequente".
Essas brigas de grilos, que ocorrem
apenas entre machos, seguem um padrão ditado pela natureza. Os cientistas
dividiram a luta em seis níveis. No primeiro deles, a batalha pode chegar ao fim
com a rendição de um dos oponentes.
Caso isso não aconteça, chega-se ao nível
dois: os grilos "praticam esgrima" com
suas antenas, como se elas fossem floretes.
No nível seguinte, um dos insetos exibe
suas mandíbulas bastante abertas. Com
a réplica do outro grilo, tem-se o próximo estágio. Depois, os combatentes se
atracam (nível cinco) e, finalmente, lutam. A briga pode ser interrompida em
qualquer um desses estágios, com a rendição de um dos insetos.
Quando um grilo é derrotado, ele evita
outros combates por cerca de 24 horas,
segundo os cientistas. Hofmann e Stevenson, seguindo as instruções da sabedoria popular, experimentaram chacoalhar os perdedores nas mãos fechadas
em forma de concha e jogá-los para o alto repetidas vezes. Eles observaram que
56,5% dos insetos recuperaram sua
agressividade após esse tratamento.
Mas os pesquisadores conseguiram
encontrar uma maneira mais eficiente:
eles estimularam os grilos a voar com
uma corrente de ar. No final da experiência, 80% dos insetos recuperaram o nível
de agressividade e voltaram a lutar com o
oponente anterior.
O tempo de vôo não afetou os resultados. "Um vôo de dez segundos foi tão eficaz quanto um vôo de 15 minutos, e a influência de um vôo de um minuto ainda
era evidente horas depois", escreveram
os cientistas na "Nature". O "tratamento
de vôo" pode ser repetido inúmeras vezes, sempre que um grilo é derrotado,
sem perder a eficácia.
Testes com os grilos sendo estimulados
a correr ou expostos à corrente de ar, porém presos ao chão, não surtiram efeitos
tão expressivos, pois não incluíam vôo.
"Manipulação, estimulação sensorial e
locomoção podem causar a liberação de
aminas (compostos orgânicos à base de
amônia), o que afeta o comportamento
agressivo de artrópodes", escreveram.
Segundo Hofmann, injeções de serotonina tornam os animais mais agressivos,
enquanto octopamina os deixam em
postura defensiva.
A agressão é comandada pelo cérebro,
e o vôo em grilos é produzido por uma
espécie de "gerador" localizado no tórax
desses insetos. Ambos os órgãos são ligados por dois dutos. Os cientistas cortaram essas ligaduras e observaram que os
insetos ainda voavam e mostravam sinais de hostilidade, mas o vôo não mais
restaurava esses sinais após uma derrota.
A secção de apenas uma ligadura não
surtia nenhum efeito.
O próximo passo dos pesquisadores é
entender o mecanismo que controla esse
fenômeno. Eles pretendem induzir a retomada da agressividade dos grilos sem
submetê-los ao vôo, por meio da estimulação de neurônios. "Também vamos
analisar os sinais que vêm das asas e dos
músculos para descobrir como eles podem afetar esse fenômeno", concluiu
Hofmann.
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