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Micro/Macro
Rumo a Marte, mas devagar!
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
O planeta vermelho! Quantos filmes e
livros de ficção cientifica já foram
escritos, especulando sobre as estranhas
formas de vida que habitam Marte. Infelizmente, até agora as sondas que lá pousaram trouxeram apenas notícias um
tanto desanimadoras; Marte é aparentemente um vasto e frígido deserto, cheio
de rochas e poeira avermelhadas.
Alguns canais foram encontrados, talvez leitos ressecados de antigos rios que
cruzavam sua superfície há milhões de
anos. É possível que Marte tenha tido
água em abundância. E onde tem água,
possivelmente tem vida, o que significa
que formas de vida podem ter existido
em Marte no passado. Ou quem sabe
ainda existem e foram responsáveis pelo
misterioso desaparecimento da sonda
enviada pela Nasa recentemente? (Caro
leitor, só para evitar alguma confusão,
estou apenas brincando!)
O jeito é irmos até lá diretamente. Missões tripuladas a Marte fazem parte de
uma espécie de desejo coletivo da humanidade; nós somos exploradores por natureza, e o próximo grande passo a ser
dado é chegar a Marte.
O problema é que a visão romântica de
uma viagem interplanetária se esvanece
em segundos quando encaramos as
enormes dificuldades técnicas de uma tal
missão. A Nasa está planejando uma
missão tripulada a Marte para o ano
2020. E, por incrível que pareça, os maiores desafios não são o desenho de naves e
combustíveis, mas nossa biologia. Como
que seres humanos irão suportar uma
missão a Marte com duração de três anos
(incluindo seis meses de ida e seis de volta) em um ambiente sem gravidade, alta
exposição a radiação cósmica e sérias
privações psicológicas?
Nossos corpos e sua fisiologia evoluíram em um ambiente extremamente
controlado, com poucas variações de
temperatura, gravidade constante e baixos níveis de radiação.
O movimento dos fluidos em nossos
corpos e a densidade dos ossos dependem dessa constância. Em um ambiente
sem gravidade, como o que ocorre em
viagens espaciais, nossa fisiologia entra
em pane total.
Astronautas sofrem sérios problemas
de adaptação, incluindo vários dias com
náusea (o vômito flutua na cabine, o que
torna sua "captação" extremamente desagradável...), desidratação e tonteiras.
Quando astronautas retornam de suas
missões, eles mal conseguem distinguir
os pés da cabeça. Repare que a Nasa sempre cobre as passarelas de desembarque,
para que o público não veja o estado indigno de seus heróis. Períodos de quarentena têm a dupla função de isolar
uma possível contaminação de "germes
espaciais" e restituir a fisiologia dos tripulantes ao normal.
Veja o que acontece com o sistema circulatório: normalmente, o sangue se
acumula na parte inferior de seu corpo,
atraído pela gravidade. Em gravidade
próxima de zero, esse sangue sobe como
um vulcão; você pensa que sua cabeça irá
explodir com a pressão, enquanto seu
coração bate mais rápido, tentando expelir o excesso de sangue. Seu corpo calcula que existe um excesso de fluido, e
você elimina mais de um litro de água a
cada dois dias. A desidratação aumenta a
densidade do seu sangue e, em resposta,
o corpo diminui a produção de células
vermelhas. Conclusão: você termina
anêmico e desidratado, se não sofrer um
ataque cardíaco ou um derrame antes. E
isso em missões de curta duração.
Imagine passar seis meses no espaço
sob essas condições e então chegar em
um planeta cuja gravidade é metade da
terrestre e onde não há uma equipe médica à espera. E isso sem falar nos raios
cósmicos, que aumentam a incidência de
câncer, o envenenamento por ferro e as
mutações em bactérias que existem em
nossos corpos. Sabe-se lá que novas
doenças serão criadas no espaço!
Ciente desses problemas, a Nasa está
buscando soluções, incluindo ambientes
com gravidade simulada a bordo, espaçonaves giratórias como uma centrífuga,
proteções contra radiação cósmica e técnicas cirúrgicas na ausência de gravidade: o sangue se transforma em aerossol,
se espalhando pela cabine, enquanto os
instrumentos não têm peso na mão do
cirurgião.
Esses desafios devem ser vencidos por
qualquer forma de vida que queira viajar
no espaço. Quem sabe os homenzinhos
verdes de Marte não podem nos passar
umas dicas?
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro
"Retalhos Cósmicos".
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