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comentário
Debate público beira o pueril
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Qualquer que seja decisão do STF sobre a constitucionalidade de usar embriões humanos em pesquisa, uma constatação já
se pode fazer: a discussão
pública teve nível baixo.
Quase pueril.
Nem vale a pena contemplar aqui a chicana católica. A confusão deliberada entre vida humana
(biológica) e pessoa humana (jurídica) não mereceria comentário, mas chegou ao Supremo porque
um procurador-geral da
República cedeu à tentação dogmática e pecou
contra o 1º mandamento
da República, a separação
entre Estado e igreja
Como não faltam críticos da irracionalidade carola, é preciso focalizar os
absurdos dos que se apresentam como arautos da
Razão. A qualidade de certos argumentos desse lado
-o correto- é sofrível.
Em alguns casos trata-se de simples erros factuais. Na revista "Veja", a
repórter pergunta a Mayana Zatz, da USP, sobre a
proibição no Brasil da pesquisa com células-tronco
embrionárias. Zatz responde: "Essa proibição é
absurda". O problema é
que a pesquisa não está
proibida no Brasil. Ao contrário, ela passou a ser permitida em 2005, embora
com restrições, com a Lei
de Biossegurança. Autorização cuja constitucionalidade é agora julgada.
Se ainda não há terapias
com células embrionárias,
não é só porque as pesquisas são recentes e foram
prejudicadas no Brasil pela autorização legal tardia,
como deu a entender Rosalia Mendez-Otero, da
UFRJ, na Folha. Vários
países permitem a pesquisa. Nenhum chegou a um
tratamento eficaz.
Talvez um dia se consiga controlar o comportamento errático das células-tronco embrionárias e
regenerar músculos ou
nervos danificados. Muitos cadeirantes foram levados ao Congresso e ao
Supremo por altruísmo,
pois não irão beneficiar-se
desses estudos. Usá-los
para emocionalizar o debate, porém, é tão pouco
recomendável quanto
equiparar destruição de
blastocistos com uma centena de células ao assassinato de criancinhas.
Mais duro de ouvir da
boca de uma cientista é
que, se destruir blastocistos é assassinato, masturbação masculina equivaleria a genocídio. Foi dito na
Rádio CBN. O espanto
apagou da memória o nome da especialista.
Ora, a noção católica
que se combate é a de que
a vida (da pessoa) humana
se inicie com a fecundação. Espermatozóides e
óvulos são anteriores a ela.
Esse tipo de argumento,
dado à derrisão, só ocorre
àqueles inebriados pela fé
na Razão. O STF fará bem
em desconsiderar tais
abortos da retórica e
chancelar a liberdade de
pesquisa pelo que ela traz
de busca e promessa.
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