|
Índice
Mar da Sibéria borbulha
com metano, diz estudo
Fenômeno pode dar início a círculo vicioso que alimenta aquecimento global
Região libera 8 milhões de toneladas de CH4 por ano; situação não é "alarmante", mas precisa ser monitorada com cuidado, diz cientista
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
A imagem de um mar inteiro
borbulhando como um colossal
copo de sal de frutas pode parecer engraçada. Mas cientistas
da Rússia e dos EUA que observaram algo parecido com isso
no Ártico garantem que não há
motivo para rir: as bolhas são
de metano, um gás-estufa poderoso, e seu vazamento em
águas siberianas pode significar que um dos efeitos mais temidos do aquecimento global
está em pleno curso.
O grupo liderado pelos russos Natalia Shakhova e Igor Semiletov, da Universidade do
Alasca em Fairbanks e da Academia Russa de Ciências, afirma que metade das águas do
mar do leste da Sibéria está supersaturada de metano em sua
superfície. Em alguns pontos, a
concentração do gás é cem vezes maior que a esperada. Em
outros, até mil vezes.
No verão, quando o mar descongela, o gás escapa para a atmosfera em bolhas, tão numerosas que podem ser detectadas por microfones na água.
O fenômeno foi mapeado por
Shakhova e colegas entre 2003
e 2008, durante várias expedições ao mar do leste siberiano,
uma região de 2 milhões de
km2. "A quantidade de metano
saindo da Plataforma Ártica
Leste-Siberiana é comparável
ao total que sai de todos os
oceanos da Terra", afirmou a
cientista em um comunicado.
O gás vem de vários depósitos de permafrost, ou solo congelado, abaixo do leito marinho. Esses solos, resquícios da
Era do Gelo ricos em matéria
orgânica, se decompõem liberando metano, gás com 21 vezes mais potencial de esquentar o planeta do que o CO2.
Segundo os cientistas, a liberação de uma parte que seja do
metano estocado no fundo do
mar do Ártico poderia provocar um aquecimento global
descontrolado, com consequências catastróficas. No entanto, o próprio permafrost age
como uma "tampa" para o gás,
que fica aprisionado na forma
de compostos estáveis.
Mas "essa tampa de permafrost está claramente perfurada", afirmou Shakhova. Segundo ela, o aquecimento das
águas árticas nas últimas décadas está acelerando o processo
de degradação do permafrost.
"Feedback"
O derretimento desses solos
submarinos lança ao ano 8 milhões de toneladas de metano
no ar. Ainda é uma fração mínima do total desse gás emitido
no mundo. Porém, à medida
que o aquecimento se intensifica, o vasto estoque de metano
siberiano pode parar na atmosfera, provocando um "feedback" positivo: aquecimento
causando mais aquecimento.
"Esses depósitos submarinos
são uma fonte de metano diferente, que nunca havia sido
considerada antes e que precisa
ser monitorada", disse Shakhova em teleconferência.
Segundo ela, o fato de que as
águas da região são rasas -50
m, em média- torna o vazamento mais preocupante. "Não
dá tempo de o metano ser oxidado ou degradado no mar. Ele
vaza direto para a atmosfera."
O geoquímico alemão Martin
Heimann, do Instituto Max
Planck em Jena, elogia o trabalho do grupo, que chamou de
"evidência convincente" em
comentário na "Science". No
entanto, ele diz que ainda não
está claro o que causa as emissões. "Como ninguém tinha observado esse vazamento antes,
não sabemos se ele resulta da
lenta erosão do permafrost, ou
se de fato foi disparado pelo
aquecimento global", disse
Heimann à Folha.
O cientista diz que não está
"nem um pouco alarmado"
com o fenômeno. "Não vejo isso como uma catástrofe, certamente não como um ponto de
virada climático", afirma. No
entanto, continua, "precisamos
monitorar esse metano, porque ele pode de fato indicar um
"feedback" positivo."
Índice
|