São Paulo, domingo, 05 de abril de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Enterro líquido

Termelétricas podem se livrar de sua poluição mandando-a para o subsolo, mas é a água, e não a terra, que pode sepultar o gás causador do efeito estufa

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Varrer a sujeira para baixo do tapete não é uma boa estratégia para manter uma casa limpa.
Mas, quando se trata de reduzir os gases do efeito estufa na Terra, esconder a poluição pode funcionar. Um estudo acaba de revelar que a maior parte do gás carbônico (CO2) armazenado em camadas geológicas centenas de metros abaixo do solo pode permanecer milhares de anos dissolvido em água, sem vazar para a atmosfera.
A descoberta, apresentada em estudo na revista "Nature" (www.nature.com), é uma excelente notícia para cientistas que defendem a técnica de captura e armazenamento subterrâneo de carbono como maneira de transformar usinas elétricas "sujas" em instalações "limpas". Grosso modo, é possível fazer isso retirando o CO2 queimado numa termelétrica a carvão e bombeando-o para dentro da terra.
Alguns projetos já fazem isso de maneira experimental, mas ninguém sabe bem se o dióxido de carbono "enterrado" pode vazar de volta para a atmosfera depois de alguns anos. O novo trabalho, liderado pelo geólogo Chris Ballentine, da Universidade de Manchester, porém, é otimista. O grupo mostra que uma estocagem de carbono ocorreu de maneira segura em formações geológicas profundas que receberam injeção natural de CO2 por baixo, via vulcanismo ou outros processos.
Conhecendo a idade geológica dos sítios e usando uma técnica especial para saber se houve vazamento de CO2, o cientista conseguiu provar que o gás pode ficar aprisionado dissolvido por tempo praticamente indeterminado. Ballentine e colegas estimam que é possível que essa segurança também exista para a injeção de CO2 antropogênico -gerado por atividades humanas- artificialmente, desde que seja feita de forma planejada.
Entretanto, o estudo do pesquisador também pode ser interpretado, em parte, como má notícia, porque o aprisionamento do carbono subterrâneo não ocorre exatamente como os geólogos mais gostariam.
O principal mecanismo de retenção do carbono no subsolo é a dissolução em água, e não a chamada "mineralização" -a transformação do CO2 em rochas de carbonato- como acreditavam alguns cientistas.

Água com gás
Trocando em miúdos, é como prender gás dentro de uma garrafa de refrigerante: a dissolução funciona sob alta pressão, mas se a tampa se abre, o gás logo escapa em forma de bolhas. A mineralização seria uma opção melhor para evitar que o carbono voltasse a vazar para a atmosfera, mas o novo estudo confirma que o processo dominante com o CO2 subterrâneo é a dissolução em água. E a água, diferentemente das rochas, pode fluir ao longo de lençóis freáticos. Caso vá parar na superfície, sem pressão, lá se vai o gás em bolhas, voltando a contribuir para o efeito estufa e o aquecimento global.
Mas, afinal: o estudo do grupo de Ballentine é ou não motivo para comemorar?
"A ciência raramente tem uma resposta assim, preto ou branco", disse à Folha Barbara Lollar, geóloga da Universidade de Toronto que participou do trabalho. "Enquanto nosso trabalho argumenta que o aprisionamento mineral seria o mecanismo preferencial, é verdade que a captura por dissolução vai funcionar também, já que o CO2 ficou trancado nesses campos de gás por uma escala de tempo geológica."
O sítio mais antigo com dióxido de carbono dissolvido visto pela cientista, em McElmo, no Colorado, tem de 40 milhões a 70 milhões de anos.

Gás em movimento
Estocar carbono artificialmente, porém, exigirá certo cuidado na hora de estimar a capacidade de armazenamento de CO2 de diferentes sítios geológicos escolhidos. "Sugerimos que modelos de longo prazo para armazenar CO2 antropogênico em sistemas geológicos semelhantes deveriam avaliar a possibilidade de movimentação do gás dissolvido na água", escrevem os pesquisadores no estudo da revista britânica.
Segundo João Marcelo Ketzer, coordenador do Cepac (Centro de Excelência em Pesquisa sobre Armazenamento de Carbono) da PUC do Rio Grande do Sul, o fato de o aprisionamento mineral ser raro perante a dissolução não vai atrapalhar os planos de quem pesquisa a técnica. E a possibilidade de armazenar dióxido de carbono em águas subterrâneas, diz, também não é propriamente novidade.
"Qualquer geólogo pode dizer que o CO2 ficou por milhões de anos lá embaixo", diz o cientista brasileiro. O estudo de Ballentine e colegas, porém, pode ser um trunfo importante para quem defende a expansão dos projetos de enterro de carbono. "Eles conseguiram datar e provar que o CO2 ficou por milhões de anos lá embaixo", afirma.


Texto Anterior: + Marcelo Gleiser: Desafios climáticos
Próximo Texto: +Marcelo Leite: Olhos azuis, negros e cegos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.