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Enterro líquido
Termelétricas podem se livrar
de sua poluição mandando-a para o subsolo, mas é a água, e não a terra, que pode sepultar o gás causador
do efeito estufa
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Varrer a sujeira para
baixo do tapete não
é uma boa estratégia para manter
uma casa limpa.
Mas, quando se trata de reduzir
os gases do efeito estufa na
Terra, esconder a poluição pode funcionar. Um estudo acaba
de revelar que a maior parte do
gás carbônico (CO2) armazenado em camadas geológicas centenas de metros abaixo do solo
pode permanecer milhares de
anos dissolvido em água, sem
vazar para a atmosfera.
A descoberta, apresentada
em estudo na revista "Nature"
(www.nature.com), é uma excelente notícia para cientistas
que defendem a técnica de captura e armazenamento subterrâneo de carbono como maneira de transformar usinas elétricas "sujas" em instalações
"limpas". Grosso modo, é possível fazer isso retirando o CO2
queimado numa termelétrica a
carvão e bombeando-o para
dentro da terra.
Alguns projetos já fazem isso
de maneira experimental, mas
ninguém sabe bem se o dióxido
de carbono "enterrado" pode
vazar de volta para a atmosfera
depois de alguns anos. O novo
trabalho, liderado pelo geólogo
Chris Ballentine, da Universidade de Manchester, porém, é
otimista. O grupo mostra que
uma estocagem de carbono
ocorreu de maneira segura em
formações geológicas profundas que receberam injeção natural de CO2 por baixo, via vulcanismo ou outros processos.
Conhecendo a idade geológica dos sítios e usando uma técnica especial para saber se houve vazamento de CO2, o cientista conseguiu provar que o gás
pode ficar aprisionado dissolvido por tempo praticamente indeterminado. Ballentine e colegas estimam que é possível
que essa segurança também
exista para a injeção de CO2 antropogênico -gerado por atividades humanas- artificialmente, desde que seja feita de
forma planejada.
Entretanto, o estudo do pesquisador também pode ser interpretado, em parte, como má
notícia, porque o aprisionamento do carbono subterrâneo
não ocorre exatamente como
os geólogos mais gostariam.
O principal mecanismo de
retenção do carbono no subsolo é a dissolução em água, e não
a chamada "mineralização" -a
transformação do CO2 em rochas de carbonato- como
acreditavam alguns cientistas.
Água com gás
Trocando em miúdos, é como prender gás dentro de uma
garrafa de refrigerante: a dissolução funciona sob alta pressão,
mas se a tampa se abre, o gás logo escapa em forma de bolhas.
A mineralização seria uma opção melhor para evitar que o
carbono voltasse a vazar para a
atmosfera, mas o novo estudo
confirma que o processo dominante com o CO2 subterrâneo é
a dissolução em água. E a água,
diferentemente das rochas, pode fluir ao longo de lençóis
freáticos. Caso vá parar na superfície, sem pressão, lá se vai o
gás em bolhas, voltando a contribuir para o efeito estufa e o
aquecimento global.
Mas, afinal: o estudo do grupo de Ballentine é ou não motivo para comemorar?
"A ciência raramente tem
uma resposta assim, preto ou
branco", disse à Folha Barbara
Lollar, geóloga da Universidade de Toronto que participou
do trabalho. "Enquanto nosso
trabalho argumenta que o aprisionamento mineral seria o
mecanismo preferencial, é verdade que a captura por dissolução vai funcionar também, já
que o CO2 ficou trancado nesses campos de gás por uma escala de tempo geológica."
O sítio mais antigo com dióxido de carbono dissolvido visto pela cientista, em McElmo,
no Colorado, tem de 40 milhões a 70 milhões de anos.
Gás em movimento
Estocar carbono artificialmente, porém, exigirá certo
cuidado na hora de estimar a
capacidade de armazenamento
de CO2 de diferentes sítios geológicos escolhidos. "Sugerimos
que modelos de longo prazo
para armazenar CO2 antropogênico em sistemas geológicos
semelhantes deveriam avaliar
a possibilidade de movimentação do gás dissolvido na água",
escrevem os pesquisadores no
estudo da revista britânica.
Segundo João Marcelo Ketzer, coordenador do Cepac
(Centro de Excelência em Pesquisa sobre Armazenamento
de Carbono) da PUC do Rio
Grande do Sul, o fato de o aprisionamento mineral ser raro
perante a dissolução não vai
atrapalhar os planos de quem
pesquisa a técnica. E a possibilidade de armazenar dióxido de
carbono em águas subterrâneas, diz, também não é propriamente novidade.
"Qualquer geólogo pode dizer que o CO2 ficou por milhões
de anos lá embaixo", diz o cientista brasileiro. O estudo de Ballentine e colegas, porém, pode
ser um trunfo importante para
quem defende a expansão dos
projetos de enterro de carbono.
"Eles conseguiram datar e provar que o CO2 ficou por milhões
de anos lá embaixo", afirma.
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