São Paulo, domingo, 05 de junho de 2011 |
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MARCELO GLEISER Lixo pode virar arte
SEMANA PASSADA tive o privilégio de participar do 4º Fórum Internacional de Comunicação e Sustentabilidade em Belo Horizonte. Mais de 2.000 pessoas lotaram o auditório para ouvir ideias sobre ambiente, educação e o que pode ser feito para mudarmos nossa relação com o planeta. Entre os participantes estava o genial Tião Santos, presidente da associação dos catadores do Aterro de Jardim Gramacho, o maior do mundo em volume de lixo. Catadores são as pessoas que transitam pelos aterros coletando materiais recicláveis, que são revendidos para a indústria. Com isso, não só ganham seu sustento, como diminuem o volume absurdo de dejetos nos aterros. Só em Jardim Gramacho são mais de 2.500 deles. Talvez muitos de vocês já conheçam o Tião, por sua participação no premiadíssimo documentário "Lixo Extraordinário" ou pelas aparições na mídia nacional. Outra presença no painel era o também genial Rainer Nolvak, que arquitetou a limpeza da Estônia inteira em apenas um dia com a participação de 50 mil voluntários. Saí do evento inspirado. "O momento em que algo se transforma em outra coisa é um momento mágico," disse Vik Muniz em "Lixo Extraordinário". É ele o artista plástico brasileiro que foi até Jardim Gramacho com o intuito de transformar lixo em arte. No processo, transformou vidas também. Com a colaboração de vários catadores, Vik criou obras de arte de grande beleza, restituindo dignidade a esses seres humanos com quem poucos se preocupam. No entanto, é deles que vêm as lições que precisamos aprender. Parafraseando Tião: "Lixo é o que ninguém quer, o que as pessoas acham que não pode ser reutilizado. Mas na natureza o que vemos é que nada é descartado, sem uso. Somos nós os parasitas, os criadores de lixo. E não precisa ser assim". Ele tem toda a razão. Praticamente tudo o que é produzido pode ser "desproduzido". Por exemplo: eletrônicos. Existem alguns centros, embora poucos, que recebem estes produtos para reciclagem. Foi sugerido no painel que a responsabilidade maior deveria ser dos fabricantes. Se eles criam e vendem os produtos, podem reabsorvê-los, reutilizando muito dos materiais. Cada celular tem aproximadamente R$1 em ouro. Não é muito, mas quando consideramos que existem em torno de 5 bilhões de celulares no mundo (só no Brasil são mais de 200 milhões), isso muda. A iniciativa de Nolvak de limpar o mundo está crescendo. Hoje é a vez do Rio, no programa Limpa Brasil! Let's Do it! (www.limpabrasil.com). Fico orgulhoso de ver o Ri tomando a iniciativa: é a primeira metrópole mundial a fazê-lo. A Europa deve fazê-lo no ano que vem. Temos que limpar o mundo sem depender dos governos. As pessoas podem inspirar os políticos. Se milhões se juntarem, a situação irá mudar, até no nível corporativo. Afinal, até o McDonald's está servindo comida orgânica! As mudanças começam pequenas, em casa, nas escolas, nas comunidades. Mas com o poder da mídia social, logo a mobilização se espalha e mudanças de larga escala tornam-se possíveis. Em meio a tanto pessimismo, são ações assim que mostram que o mundo está mudando para melhor. MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro Criação Imperfeita Texto Anterior: Raio-X: D.Pedro 2º Índice | Comunicar Erros |
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