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São Paulo, sábado, 05 de julho de 2003

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MEDICINA

Núcleo da Unifesp vai pesquisar doenças brasileiras; falta de resultados mudou rumo de centro pioneiro na USP

Brasil ganha novo centro de geneterapia

MARCUS VINICIUS MARINHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil ganhou na semana passada seu maior centro de geneterapia. O Centro Interdisciplinar de Terapia Gênica, ligado à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), foi inaugurado em uma área de mil metros quadrados, na zona sul da capital paulista.
A inauguração deve atiçar polêmica na comunidade científica, porque, embora promissora, essa área da medicina tem sido cercada de falhas práticas e problemas de biossegurança.
A terapia gênica tem como meta induzir o corpo do doente a produzir seu próprio "remédio", por meio da introdução de genes que possam repor aqueles com defeito ou ausentes no organismo. A técnica é bastante debatida, já que envolve incorporação de genes em seres humanos.
No novo centro, cinco laboratórios, liderados por pesquisadores de três departamentos da Unifesp, produzirão pesquisas e tratamentos em geneterapia.
"Será um instituto para desenvolver pesquisa básica, mas que está planejado para ter interface com a área clínica", explica o coordenador do centro, Luiz Rodolpho Travassos. Resultados das pesquisas, segundo o cientista, serão repassados a áreas clínicas da Unifesp, para que tratamentos sejam concebidos para a população.
A construção do centro consumiu cerca de R$ 1 milhão e foi financiada pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e pela universidade.
A existência de centros como esse é vital para a medicina brasileira, diz Travassos, pois nesse momento muitos similares funcionam a pleno vapor nos EUA e na Europa. "É importante desenvolver técnicas para tratar doenças mais tipicamente brasileiras ou adaptar tratamentos de doenças comuns também em outros países para a realidade nacional."
As principais linhas de pesquisa serão: desenvolvimento de vetores (meios de introdução dos genes "curativos" nas células, como vírus modificados), imunoterapia do câncer, doenças infecciosas e doenças cardiovasculares.
Com a pesquisa do novo instituto, portadores de disfunções como isquemia (enfermidade relacionada à falta de circulação sanguínea) e a fibrose cística (doença hereditária que afeta glândulas) podem ser beneficiados.

Desistência
O Cintergen, como é conhecido o centro, não é o primeiro projeto do gênero no Brasil. Em 2000, foi inaugurado o Centro de Terapia Gênica da Associação dos Amigos de Portadores de Distrofia Muscular de Ribeirão Preto (AADM), com a intenção de desenvolver tratamentos ligados à doença.
O centro da AADM, no entanto, foi convertido em Centro de Terapia Celular, segundo sua atual coordenadora, Mayana Zatz, professora do Instituto de Biociências da USP. "Não considerei os resultados [da terapia gênica] na área clínica muito satisfatórios", explica a cientista. Já Travassos discorda: "Na minha opinião, a terapia gênica é a medicina do futuro. A medicina tende a ser cada vez mais molecular, e todos os ramos da medicina podem ser beneficiados quando se associa a pesquisa a algum tipo de terapia gênica".

Riscos
A terapia gênica não é, no entanto, desprovida de riscos. Frequentemente, ela é relacionada com o exemplo dos alimentos geneticamente modificados (transgênicos), por também envolver a incorporação de novos genes em seres vivos.
Em 1999, Jesse Gelsinger, um adolescente portador de uma doença metabólica rara, morreu nos EUA ao ser tratado com terapia gênica. No ano passado, duas crianças submetidas a geneterapia para curar uma síndrome imunológica grave na Europa adquiriram leucemia.
"Do ponto de vista de tratamento, a pesquisa em terapia gênica não deslanchou como se esperava há dez anos. E existem riscos enormes", afirma Zatz.
Para Travassos, o país não pode esperar mais para pesquisar na área. "A terapia gênica já deslancha no hemisfério Norte. A gente por aqui tem sempre de ficar para trás e depender dos outros?".
A geneterapia abre as possibilidades da introdução no homem de genes de outras espécies, como micróbios e animais. "Se você tiver uma planta ou um organismo que faça esse serviço, por que não fazer?", pergunta Travassos.


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