São Paulo, quinta-feira, 05 de agosto de 2004

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PALEONTOLOGIA

Sistema nervoso do Archaeopteryx, o elo perdido entre aves e répteis, era totalmente adaptado ao vôo

Dinossauro tinha cérebro de passarinho

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Uma tomografia feita em um dos fósseis mais famosos do mundo revela que o elo perdido entre aves e répteis tinha um cérebro surpreendentemente desenvolvido e adaptado para o vôo. O exame também sugere que as aves modernas são mesmo descendentes dos dinossauros.
O fóssil em questão é um dos sete únicos exemplares de Archaeopteryx, um dinossauro alado também classificado como a ave mais antiga do mundo. O animal viveu na Europa no final do Período Jurássico (205 milhões a 144 milhões de anos atrás).
Pouco maior que um pombo, o Archaeopteryx ("asas antigas", em grego) surpreende os estudiosos desde o século 19, quando foi descoberto, no sul da Alemanha. O fóssil tem penas bem desenvolvidas, como as dos pássaros, e dois braços que parecem funcionar como asas. Mas outros detalhes de seu esqueleto o aproximam dos dinossauros, como o formato do crânio, os ossos da perna e a articulação do ombro, que fica exatamente no meio do caminho entre braço e asa.
Durante muito tempo, os paleontólogos acreditaram que essas esquisitices anatômicas tornassem o Archaeopteryx pouco adaptado ao vôo. "Ele não era muito manobrável e não tinha músculos do peito desenvolvidos o suficiente para sustentar grandes vôos", disse à Folha Angela Millner, do Museu Britânico de História Natural, em Londres.
Num estudo cujos resultados saem hoje na revista científica "Nature" (www.nature.com), Millner e colegas resolveram buscar a identidade do elo perdido num lugar insuspeito: dentro da sua cabeça. E descobriram que o bicho tinha literalmente um cérebro de passarinho.
O cérebro em si decompôs e desapareceu há milhões de anos. Mas o exemplar de Archaeopteryx preservado no museu britânico tem um crânio intacto, que o grupo submeteu a uma tomografia computadorizada. O exame, que consiste em uma seqüência de raios X, montou uma imagem tridimensional do sistema nervoso do dinopássaro.
O resultado mostra que o animal tinha boa parte do cérebro dedicada ao sentido da visão, assim como as aves modernas. O sistema nervoso central é proporcionalmente grande, cerca de três vezes maior que o de répteis de tamanho equivalente. Os canais semicirculares, que ajudam a manter o equilíbrio, também são bem desenvolvidos no animal, como nas aves. Juntos, esses traços davam ao bicho um sentido de orientação espacial altamente desenvolvido -um equipamento neural adaptado ao vôo. "Isso nos surpreendeu", contou Millner, por telefone.
Segundo o paleobiólogo Kevin Padian, da Universidade da Califórnia em Berkeley (Estados Unidos), o novo estudo corrobora a hipótese de que as aves evoluíram dos dinossauros, apesar de mostrar que o cérebro do Archaeopteryx já era mais parecido com o das aves. Um dinossauro bípede carnívoro chamado troodonte, que viveu depois do dinopássaro, também tinha uma arquitetura cerebral parecida. "Isso mostra que os dinossauros sofreram uma redução de tamanho antes de voar", disse Padian.


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