São Paulo, terça-feira, 05 de agosto de 2008

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ENTREVISTA

ALBERT FERT


Futuro da eletrônica está no "giro" das partículas, diz Fert

Nobel de Física de 2007 aplica conhecimento da física quântica à computação

POUCO TEMPO atrás, a ciência que hoje revoluciona a eletrônica e a computação não despertava muito interesse. A pesquisa na área, porém, começou a render frutos e, hoje, poucos engenheiros do setor a ignoram -sobretudo depois que Albert Fert, 50, um dos pioneiros da técnica, ganhou o Prêmio Nobel de Física em 2007. Talvez tenha ajudado o novo palavrão no vocabulário da engenharia ser de fácil pronúncia: spin.
Esse é o nome de uma propriedade que define a orientação angular das partículas elementares. É um fenômeno microscópico que guarda alguma semelhança com um objeto "girando", ainda que não seja bem isso. A "spintrônica" -eletrônica que não usa apenas a carga, mas também o spin dos elétrons para processar informação- já está de certa forma presente em aparelhos populares, como tocadores de MP3 com grande capacidade e memórias rápidas de computador (que não "esquecem" nada quando são desligadas). O próximo passo, diz Fert, é usar o spin para processar informação, e não apenas armazená-la.


Yoan Valat-09.out.2007/Efe
Albert Fert, um dos ganhadores do Nobel Física do ano passado

IGOR ZOLNERKEVIC
ENVIADO ESPECIAL A FOZ DO IGUAÇU

Albert Fert, um cientista que sempre articulou a integração entre a academia e a indústria, não é o estereótipo do pesquisador francês. Em um país onde boa parte da intelectualidade rejeita relações com a iniciativa privada, ele não teve dificuldades em licenciar para a indústria a tecnologia que desenvolveu. Alguns discos rígidos de computador hoje já se valem da chamada magnetorresistência gigante _o fenômeno que rendeu o Prêmio Nobel a Fert.
Em entrevista à Folha ontem, durante um congresso sobre física do spin e aplicações eletrônicas em Foz do Iguaçu (PR), o cientista contou como costurou essa relação:

 

FOLHA - Como se deu a interação entre pesquisa fundamental e aplicação tecnológica em seu trabalho?
FERT -
A descoberta da GMR [magnetorresistência gigante] surgiu do encontro da pesquisa básica que comecei nos anos 1970, sobre a influência do spin no movimento dos elétrons em metais, com o progresso tecnológico na fabricação de nanoestruturas [estruturas da escala de milionésimos de milímetros], no final dos anos 1980.
Depois disso, a GMR deu origem rapidamente a aplicações tecnológicas e também a um novo campo de pesquisa que revelou outros efeitos relacionados ao spin do elétron: a spintrônica. Então, veja a imbricação das duas coisas: a [minha] descoberta veio tanto da pesquisa fundamental quanto do progresso tecnológico e, em seguida, deu origem a ferramentas para a pesquisa fundamental, que agora está levando a novas aplicações.

FOLHA - Que novas aplicações são essas?
FERT -
Um dos efeitos descobertos foi a magnetorresistência por "tunelamento", que é aplicada agora em um disco rígido que usa um novo tipo de memória [para computação].
Em seu computador existe uma memória maciça no disco, mas o tempo de acesso a essa memória é enorme: um milisegundo. Muito grande, não? (Risos.) Você não pode trabalhar, porém, tendo que esperar "tanto" tempo, hoje em dia. Por isso, quando você liga seu computador, ele armazena parte da memória do disco na memória RAM, feita de semicondutores, em um tempo bem curto, um nanossegundo. Mas ela é volátil, ela morre quando desligamos o computador, precisa ser sempre atualizada.
O que surgiu no mercado dois anos atrás são a MRAMs _RAMs magnéticas_, que são feitas de um dispositivo spintrônico com memória de caráter permanente. A transferência de spin vai levar também a um novo tipo de gerador de microondas ou ondas de rádio; certamente em alguns anos existirão telefones celulares usando spintrônica.

FOLHA - Já existe algum desdobramento disso?
FERT -
Outro novo efeito, usa a transferência de spin para ligar e desligar um imã, e pode ser o princípio de uma nova geração de MRAM.

FOLHA - Na sua palestra aqui, o senhor falou de usar os chamados nanotubos (nanoestruturas de carbono em forma de tubo) para substituir os tradicionais chips de silício...
FERT -
A spintrônica está se desenvolvendo em muitas outras direções. Existe a spintrônica com semicondutores, que é a fusão da spintrônica com a eletrônica clássica, que vai levar certamente a novas aplicações, como novo tipos de transistores [controladores do fluxo de eletricidade]. Outra direção promissora, a spintrônica molecular, que usa nanotubos de carbono e outros tipos de moléculas orgânicas, está expandindo consideravelmente.

FOLHA - Como vocês fizeram contato com a indústria após a descoberta da GMR?
FERT -
As aplicações vieram rápido. Desenvolvemos muitas delas por meio de contratos com empresas, com apoio da Comunidade Européia. Contratos com a Siemens levaram ao primeiro sensor magnético comercial usado em carros, negócios com a Philips levaram a inovações em gravação magnética. O melhor dos contratos foi o que fizemos com a IBM, que lançou um novo tipo de disco rígido com capacidade 500 vezes maior [que a convencional para a época].

FOLHA - Além dos contratos, que outras maneiras há de interagir com a indústria?
FERT -
Na França, eu trabalhava como professor na universidade até 1995, quando fundei com colegas da empresa Thales um laboratório conjunto, financiado parte pelo CNRS [agência científica estatal da França] e parte pela própria Thales. Trabalhamos justamente na interface entre a universidade e a indústria. É muito satisfatório poder saber o que está acontecendo nas universidades e ao mesmo tempo também conhecer as necessidades da indústria. Essa é uma das maneiras de melhorar o contato entre as duas comunidades.

FOLHA - Quais são os obstáculos que existem entre essas duas comunidades?
FERT -
Os obstáculos existem mais na Europa do que nos EUA, porque a maioria dos pesquisadores americanos na indústria são PhDs, então conhecem muito bem as universidades. Na Europa, às vezes as formações do engenheiro e do pesquisador são diferentes.

FOLHA - O sr. não se sente pressionado pela indústria em transformar os resultados de suas pesquisas em aplicações tecnológicas?
FERT -
Não. A Thales entende que o que pode ser útil para eles é a ponte: pessoas que estão livres para trabalhar em suas idéias, mas que conheçam bem as necessidades da companhia e que estejam realmente prontas para transferir tecnologia. Eu continuo a seguir minhas idéias como antes. Havia uma ideologia nas universidades de que não podemos colaborar com a indústria, mas essa ideologia desapareceu agora. Queremos ser úteis para a sociedade. A pesquisa é feita para aumentar nosso conhecimento, mas também temos muito orgulho de poder contribuir com algo para a economia.

O repórter IGOR ZOLNERKEVIC viajou a convite da 5ª Pasps (www.pasps-v.com.br)



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