São Paulo, sexta-feira, 05 de agosto de 2011

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Águas de Marte

Sulcos nas encostas do hemisfério Sul do planeta sugerem que a água ainda escorre por elas no verão e dão alento à busca de vida por lá

SALVADOR NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um mistério marciano digno de Sherlock Holmes intriga cientistas da Universidade do Arizona (EUA). Se fosse mesmo obra de Arthur Conan Doyle, o criador do detetive, provavelmente se chamaria "O caso dos rastros que desaparecem".
Como não é, trata-se simplesmente da mais nova evidência de água corrente no planeta vermelho.
Marte tem flertado com os dois temas (enigmas e água) por mais de cem anos. No final do século 19, o astrônomo americano Percival Lowell já dizia ter enxergado, com ajuda de telescópios, a construção de canais para a condução de água no solo de lá.
Na ocasião, tudo não passava de ilusão de óptica, alimentada pela vívida imaginação do observador. Mas agora quem traz as pistas é o olhar tecnológico da sonda americana MRO (Mars Reconnaissance Orbiter).
Os risquinhos vistos por ela no solo marciano estão longe da dramaticidade de ETs construindo canais para uma civilização moribunda.
Mas, caso os cientistas estejam certos, nada impede que bactérias alienígenas vivam mesmo lá, usufruindo da pouca água líquida que ainda resta no planeta.

ESTAÇÕES MARCIANAS
Uma das características mais interessantes dessas linhas, encontradas até agora em sete lugares no hemisfério Sul de Marte (com outros 12 candidatos ainda não confirmados), é que elas só proliferam durante o verão.
O planeta vermelho tem um eixo de rotação inclinado, como o da Terra, e por isso também possui estações. Os traços nascem no alto das encostas e se propagam a até 20 metros por dia.
Como o MRO está em órbita desde março de 2006 (mais de dois anos marcianos), pode observar modificações no solo ao longo do tempo.
Especula-se que, durante os períodos mais quentes, a temperatura do solo em Marte nessas regiões observadas fique mais ou menos entre -25 graus e 25 graus Celsius.

RECEITA ESPECIAL
Dadas as condições de temperatura e pressão marcianas, água líquida pura dificilmente teria como escorrer e formar os traços.
Mas água salgada líquida poderia fazer o serviço, pois os sais fazem baixar o ponto de congelamento.
O fato de que os traços aparecem só nos períodos mais quentes, e que contornam obstáculos mais altos, colocam a água salgada como o mais provável candidato a explicar os traços.
Mas o que os cientistas não fazem ideia de como acontece é o fenômeno que leva as linhas a recuperarem a cor antiga e desaparecerem.
"A estrutura da superfície pode mudar nas estações frias por um mecanismo que atualmente não compreendemos", explica Alfred McEwen, da Universidade do Arizona, primeiro autor do artigo que relata os achados na última edição da revista "Science".
Outra questão misteriosa é a origem da água. Embora a maioria dos terrenos em que foram encontrados as linhas seja topograficamente favorável à presença de gelo perto da superfície, no subsolo, alguns deles não são.

RARO?
Por fim, joga contra os cientistas o fato de ser um fenômeno pouco observado, e somente a partir da órbita.
Os jipes robóticos Spirit e Opportunity, que passaram os últimos sete anos no solo do planeta vermelho, jamais viram algo similar.
"Não vimos nada tão dramático", disse à Folha Paulo Antonio de Souza Junior, físico brasileiro hoje no CSIRO, na Austrália, que participou da missão dos dois jipes da Nasa. "Mas as evidências apresentadas no estudo são muito bem articuladas e podem trazer uma nova luz sobre o presente de Marte."


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