São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2008

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+ Marcelo Leite

Nobel para o cérebro



Se a minha opinião sobre o prêmio contasse, votaria em Gage


A esta altura os 50 luminares do Instituto Karolinska, da Suécia, já escolheram o(s) agraciado(s) com o Prêmio Nobel em Medicina ou Fisiologia, que será anunciado amanhã de manhã. E você, elegeu os seus? Eu, sim: Fernando Nottebohm, Elizabeth Gould e Fred Gage. Se minha opinião contasse alguma coisa, como conta na eleição municipal de hoje, votaria sem pestanejar nos três. Nottebohm, há mais de duas décadas na Universidade Rockefeller (Nova York), fez longo estudo com canários que derrubou um mito da neurociência, o de que cérebros adultos não produzem novos neurônios. Hoje é consensual que a criação de novas células nervosas e suas conexões (sinapses) é parte essencial de processos de aprendizado. Nottebohm mostrou que seus pássaros perdiam e ganhavam neurônios mais ou menos na mesma proporção, a cada ano, quando aprendiam cantos novos. É o que se chama de neurogênese, antes "proibida" em organismos adultos. Depois de Nottebohm, Elizabeth Gould viu a mesma coisa em outros animais, inclusive mamíferos. E Fred Gage, em humanos. Minha aposta não é só uma escolha puramente subjetiva, já apresentada aqui em 22 de julho de 2007. Como acontece com toda preferência pessoal, mesmo a mais arbitrária, procuramos apoiá-la em fatos ou razões mais objetivas. Fiquei satisfeito, portanto, ao topar com o nome de Gage numa previsão que o conglomerado de informação Thomson Reuters faz todos os anos (scientific.thomson reuters.com/nobel). A Thomson é a herdeira do legendário Instituto para Informação Científica (ISI, em inglês), que compila dados de publicações científicas há mais de 45 anos. São coisas tediosas, como número de citações obtidas por artigos e pesquisadores, que a empresa mobiliza, no caso do Nobel, para tentar prever os ganhadores do ano. As previsões passaram a ser anunciadas, formalmente, em 2002, mas desde 1989 o pessoal da Thomson arriscava seus palpites. Já acertou 24 vezes, em 76 apostas (em Medicina, Química, Física e Economia) em 19 anos. Para Medicina em 2008, a Thomson pôs suas fichas em três assuntos e oito nomes: imunidade inata (Shizuo Akira, Bruce Beutler e Jules Hoffman); micro-RNAs (Victor Ambros e Gary Ruvkun); e meta-análises estatísticas em epidemiologia (Rory Collins e Richard Peto). Se você notou a ausência de Gage, saiba que ele estava na lista do ano passado. Para a Thomson, continua no páreo. Além desta coluna, por ele estará torcendo Alysson Muotri, jovem pesquisador brasileiro que acaba de deixar seu grupo no Instituto Salk (EUA) para virar professor da Universidade da Califórnia em San Diego.

Orgulho na USP
Depois de ter espinafrado a USP na semana passada, é com satisfação que registro um feito digno de orgulho realizado ali: a primeira linhagem brasileira de células-tronco embrionárias humanas. A façanha foi obra do grupo de Lygia da Veiga Pereira, em parceria com Stevens Rehen, da UFRJ. Os dois merecem aplausos não só pelo apuro técnico, mas por terem insistido quando muitos de seus colegas preferiram o ponto-morto. Não ficaram sentados aguardando a decisão do Supremo Tribunal Federal, em maio, que autorizou em definitivo a pesquisa. Apesar da insegurança jurídica, foram em frente. Confiaram que o bom senso prevaleceria no STF, o que por vezes é uma aposta arriscada. Quatro meses depois, colheram a sorte grande -a sorte dos persistentes.


MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007).
Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br).
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br


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