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São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2003

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MEDICINA

Estudo feito na USP restaura passagem de estímulo nervoso por área lesada da medula de pacientes paralisados

Célula-tronco dá sensação a tetraplégico

Ed Viggiani/Folha Imagem - 30.jan.2001
Gabrilli é um dos 12 pacientes que tiveram recuperação com técnica


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Conexões nervosas na medula espinhal que pareciam estar perdidas para sempre foram restauradas, graças ao uso das células-tronco, em 12 paraplégicos e tetraplégicos. O estudo, feito por pesquisadores da USP, no entanto, só conseguiu restaurar parte da sensibilidade de membros paralisados havia anos.
"Isso abre perspectivas enormes", diz o ortopedista Tarcisio Barros, 50, da Faculdade de Medicina da USP. Barros e a coordenadora do estudo, a também ortopedista Érika Kalil, já planejam ampliar o grupo de 30 pacientes que recebeu, desde o ano passado, a infusão das células na área lesada de suas medulas. "Como cada um deles recebeu as células-tronco em momentos diferentes, não quer dizer que os outros também não possam apresentar melhoras mais tarde", afirma o médico.
As células-tronco estão entre os componentes mais versáteis do organismo, capazes de assumir a função de qualquer tecido. Esses curingas fisiológicos estão presentes principalmente em embriões (variedade que parece ser a mais potente) e na medula óssea, caso no qual compõem as chamadas células-tronco adultas.
Foi essa a variedade empregada pelos pesquisadores da USP. Uma de suas principais vantagens é evitar a rejeição, já que é extraída da própria pessoa que depois vai recebê-la. No entanto, diferentemente de outros procedimentos parecidos no mundo e no Brasil, os pesquisadores não extraíram as células-curinga diretamente da medula óssea.

Batalhão atraído
Em vez disso, a equipe, com o auxílio dos médicos Dalton Chamone e Alfredo Mendroni, "atraiu" as células-tronco para a corrente sanguínea dos pacientes por meio de substâncias específicas e, depois, usou um procedimento parecido com a hemodiálise para retirá-las do sangue (veja quadro acima, à direita). Obtiveram um verdadeiro batalhão delas, cerca de 2,5 milhões para cada quilo de sangue dos pacientes.
Depois de ficarem estocadas por algum tempo em temperaturas baixas, as células foram devolvidas aos pacientes. "Todos estavam com a situação estabilizada, nenhuma motricidade [movimento] e nenhuma sensibilidade", afirma Barros.
Com a ajuda de José Guilherme Caldas e Giovanni Cerri, do Departamento de Radiologia Vascular Intervencionista da Faculdade de Medicina da USP, os pesquisadores usaram aparelhos de ressonância magnética para identificar o local exato da lesão na medula espinhal e conduzir as células-tronco até lá por meio da artéria que o irrigava.
Dentro de alguns meses (num prazo que variava de paciente para paciente), a situação começou a mudar de figura. Os cientistas aplicaram o teste de potencial evocado, que procura medir o efeito de um estímulo elétrico no corpo sobre o córtex cerebral.
Antes, diz Barros, todas as pessoas que passaram pela terapia tinham uma falha nesse circuito, causada justamente pela lesão na medula espinhal que impedia a comunicação com o cérebro. Nas 12 que já responderam ao tratamento, no entanto, o estímulo ia adiante, como se a conexão estivesse restaurada. Mais que isso: parte da sensibilidade retornou.
Para a psicóloga e publicitária Mara Gabrilli, 36, tetraplégica há nove anos por causa de um acidente de carro, isso quis dizer, a princípio, uma coisa: "Dor! Passei a sentir dor demais no bumbum ou nas pernas, quando eu faço estimulação elétrica".
Por outro lado, a sensação de tato também ressurgiu, e ela diz que até se sente fisicamente mais "encorpada". "É maravilhoso", afirma Gabrilli, que hoje coordena a ONG Projeto Próximo Passo, que dá apoio aos deficientes físicos e à pesquisa com células-tronco. A técnica de ginástica olímpica Georgette Vidor, paraplégica, também passou por mudanças positivas semelhantes depois de participar da terapia.
Apesar dos bons resultados, ainda faltam muitas perguntas a responder. Os pesquisadores ainda não sabem, por exemplo, se são as próprias células-tronco que se transformam em neurônios e reconstituem a ponte entre as áreas intactas da medula, ou se elas apenas estimulam a passagem de impulsos nervosos por ali.
"De qualquer maneira, quando você sabe que o impulso está passando, pode usar abordagens auxiliares, como drogas que estimulem a transmissão, por exemplo", diz Barros.
Por enquanto, o objetivo dos pesquisadores é acompanhar os pacientes que já receberam as células e também aplicar a técnica em pessoas que acabaram de sofrer lesões na medula. "Nesse caso, imaginamos que a chance de recuperação seja maior", afirma o pesquisador da USP. O protocolo para esse novo estudo já está aprovado pela Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa).
Os resultados do primeiro grupo de pacientes serão apresentados no Encontro Internacional sobre Células-Tronco, que acontece em São Paulo a partir do próximo dia 13, e devem ser encaminhados em breve para publicação.


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