São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Ciência precisa de capital de risco"

Físico diz que impasse teórico de sua disciplina é uma questão democrática

Cern
O detector de trajetórias de partículas CMS, que integra o Grande Colisor de Hádrons do Cern


COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O físico teórico Lee Smolin, 51 anos, tem uma carreira atípica. Com PhD em Harvard e ex-professor de Yale, é atualmente um dos animadores do Instituto Perímetro de Física Teórica, associado à universidade de Waterloo, no Canadá. O caminho mais natural na física teórica no início da década de 1980 era mergulhar nas minúcias do Modelo Padrão das Forças e Partículas Elementares. O Modelo Padrão tinha (e tem ainda) um grave buraco: não inclui a força da gravidade. Mas os físicos faziam de conta que esses problemas não existiam.
O sonho de principiante de Smolin era retomar o trabalho no ponto em que Albert Einstein o deixou, depois de 30 anos de tentativas infrutíferas de unificar gravitação com o eletromagnetismo, criando uma nova teoria quântica.
Smolin explica sua decisão no livro "My Einstein", que reúne depoimentos de vários cientistas sobre o pai da relatividade. "Decidi que havia pouco a ganhar tanto cientificamente quanto profissionalmente num assalto frontal à teoria quântica", diz. "Em vez disso resolvi atacar o problema de combinar a teoria quântica com a gravidade". Era um caminho pavimentado de boas intenções, mas com péssimos resultados.
Por algum tempo Smolin aderiu ao modismo da teoria de cordas e produziu vários artigos com esse enfoque. Decepcionado com a falta de resultados das cordas em quase 30 anos de esforços, Smolin resolveu voltar ao caminho einsteniano: desvendar as questões de fundo sobre a natureza do espaço e do tempo, relegadas ao limbo tanto pela teoria quântica quanto pelas cordas.
Nessa nova empreitada ele espera contar com a ajuda do brasileiro Roberto Mangabeira Unger, professor-titular de Harvard e colunista da Folha.
"Estamos colaborando num projeto de fôlego sobre o tempo, não apenas na cosmologia mas também na ciência em geral", diz Mangabeira. Em entrevista à Folha, Smolin explica tanto os obstáculos teóricos da criação de uma nova teoria quântica quanto as barreiras de ordem corporativa nas academias e centros de pesquisas a formulações alternativas à teoria de cordas. (FCS)

 

FOLHA - Em seu livro o sr. diz que o pessoal das cordas controla perto de 95% das posições acadêmicas da área nos EUA. E que 20 entre 22 professores efetivados em Harvard, Berkeley, MIT, Princeton e Stanford após 1981 são da ala das cordas. Como o sr. avalia esse controle?
LEE SMOLIN
- A palavra controle é muito forte. Mantenho a precisão desses números citados no meu livro. Mas controle é uma palavra forte porque os departamentos votam nas indicações e, nesses casos, os experimentalistas geralmente dominam. Portanto, a avaliação é que eles influenciam, não controlam.

FOLHA Essa tendência é mundial?
SMOLIN
- Não. É diferente em países diferentes. Na América Latina há uma boa diversidade de teóricos e algumas pessoas muito boas produzindo.

FOLHA - O sr. acha que as universidades deveriam adotar algum tipo de "ação afirmativa" para restaurar a diversidade na física teórica?
SMOLIN
- Ação afirmativa não seria o termo adequado. Melhor dizer que o objetivo seria diversificar e potencializar os investimentos de risco na vanguarda da ciência. É preciso um análogo do capital de risco que deliberadamente apóie direções novas e emergentes na pesquisa.

FOLHA - Por que o sr. argumenta que o impasse teórico da física é uma questão democrática?
SMOLIN
- Porque a comunidade científica é um modelo para a sociedade governada por argumentos racionais originário das evidências. Isso é análogo à democracia. Por exemplo, ambas exigem agir em boa fé, dentro das regras e com respeito aos que discordam de você.

FOLHA - Você tem esperanças de que experiências no LHC (Grande Colisor de Hádrons) a partir do ano que vem resolvam as diferenças com a teoria de cordas?
SMOLIN
- A teoria de cordas não faz previsões definidas para os resultados do LHC, portanto eles não vão dar evidências diretas contra ou a favor desse enfoque. Como eu argumento no meu livro, a teoria de cordas tem algumas características gerais compartilhadas com outras teorias que podem ser descobertas no LHC. A supersimetria, por exemplo. Também há a possibilidade de detectar evidências de outras dimensões.

FOLHA - A teoria da gravitação quântica de laço que o sr. desenvolve poderá se revelar nos experimentos do LHC?
SMOLIN
- Não.

FOLHA - O livro "Universo Elegante", de Brian Greene, foi um best-seller, vendido como divulgação das fronteiras da ciência e não como proselitismo da teoria de cordas. Ele é acusado de ser o principal difusor do que seria um modismo intelectual. Como o sr. avalia a obra de Greene, que vendeu mais de um milhão de livros no mundo todo?
SMOLIN
- É um livro muito bom. A única falha é que ele não tem um retrato verdadeiro das pesquisas, por não mencionar as abordagens da gravidade quântica. Seu segundo livro ("O Tecido do Cosmo") é bem melhor nesse aspecto.

FOLHA - Alguém citado anonimamente em seu livro diz que possivelmente os humanos não estariam equipados para entender o sentido da teoria de cordas, assim como cães não poderiam aprender mecânica quântica. Porque o sr. tem esperança de que nossos cérebros sejam adequados para essa empreitada?
SMOLIN
- Penso que nossos potenciais racionais são genéricos. Qualquer coisa que seja logicamente estruturada está aberta ao nosso entendimento.


Texto Anterior: Com a corda no pescoço
Próximo Texto: + Marcelo Gleiser: A controvérsia das supercordas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.