Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Ciência precisa de capital de risco"
Físico diz que impasse teórico de sua disciplina é uma questão democrática
Cern
|
O detector de trajetórias de partículas CMS, que integra o Grande Colisor de Hádrons do Cern |
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O
físico teórico Lee
Smolin, 51 anos,
tem uma carreira
atípica. Com PhD
em Harvard e ex-professor de Yale, é atualmente
um dos animadores do Instituto Perímetro de Física Teórica,
associado à universidade de
Waterloo, no Canadá. O caminho mais natural na física teórica no início da década de 1980
era mergulhar nas minúcias do
Modelo Padrão das Forças e
Partículas Elementares. O Modelo Padrão tinha (e tem ainda)
um grave buraco: não inclui a
força da gravidade. Mas os físicos faziam de conta que esses
problemas não existiam.
O sonho de principiante de
Smolin era retomar o trabalho
no ponto em que Albert Einstein o deixou, depois de 30
anos de tentativas infrutíferas
de unificar gravitação com o
eletromagnetismo, criando
uma nova teoria quântica.
Smolin explica sua decisão no
livro "My Einstein", que reúne
depoimentos de vários cientistas sobre o pai da relatividade.
"Decidi que havia pouco a ganhar tanto cientificamente
quanto profissionalmente num
assalto frontal à teoria quântica", diz. "Em vez disso resolvi
atacar o problema de combinar
a teoria quântica com a gravidade". Era um caminho pavimentado de boas intenções,
mas com péssimos resultados.
Por algum tempo Smolin aderiu ao modismo da teoria de
cordas e produziu vários artigos com esse enfoque.
Decepcionado com a falta de
resultados das cordas em quase
30 anos de esforços, Smolin resolveu voltar ao caminho einsteniano: desvendar as questões
de fundo sobre a natureza do
espaço e do tempo, relegadas
ao limbo tanto pela teoria
quântica quanto pelas cordas.
Nessa nova empreitada ele
espera contar com a ajuda do
brasileiro Roberto Mangabeira
Unger, professor-titular de
Harvard e colunista da Folha.
"Estamos colaborando num
projeto de fôlego sobre o tempo, não apenas na cosmologia
mas também na ciência em geral", diz Mangabeira.
Em entrevista à Folha, Smolin explica tanto os obstáculos
teóricos da criação de uma nova teoria quântica quanto as
barreiras de ordem corporativa
nas academias e centros de
pesquisas a formulações alternativas à teoria de cordas.
(FCS)
FOLHA - Em seu livro o sr. diz que o
pessoal das cordas controla perto de
95% das posições acadêmicas da
área nos EUA. E que 20 entre 22 professores efetivados em Harvard,
Berkeley, MIT, Princeton e Stanford
após 1981 são da ala das cordas. Como o sr. avalia esse controle?
LEE SMOLIN - A palavra controle
é muito forte. Mantenho a precisão desses números citados
no meu livro. Mas controle é
uma palavra forte porque os
departamentos votam nas indicações e, nesses casos, os experimentalistas geralmente
dominam. Portanto, a avaliação é que eles influenciam, não
controlam.
FOLHA Essa tendência é mundial?
SMOLIN - Não. É diferente em
países diferentes. Na América
Latina há uma boa diversidade
de teóricos e algumas pessoas
muito boas produzindo.
FOLHA - O sr. acha que as universidades deveriam adotar algum tipo
de "ação afirmativa" para restaurar
a diversidade na física teórica?
SMOLIN - Ação afirmativa não
seria o termo adequado. Melhor dizer que o objetivo seria
diversificar e potencializar os
investimentos de risco na vanguarda da ciência. É preciso um
análogo do capital de risco que
deliberadamente apóie direções novas e emergentes na
pesquisa.
FOLHA - Por que o sr. argumenta
que o impasse teórico da física é
uma questão democrática?
SMOLIN - Porque a comunidade
científica é um modelo para a
sociedade governada por argumentos racionais originário
das evidências. Isso é análogo à
democracia. Por exemplo, ambas exigem agir em boa fé, dentro das regras e com respeito
aos que discordam de você.
FOLHA - Você tem esperanças de
que experiências no LHC (Grande
Colisor de Hádrons) a partir do ano
que vem resolvam as diferenças
com a teoria de cordas?
SMOLIN - A teoria de cordas não
faz previsões definidas para os
resultados do LHC, portanto
eles não vão dar evidências diretas contra ou a favor desse
enfoque. Como eu argumento
no meu livro, a teoria de cordas
tem algumas características gerais compartilhadas com outras teorias que podem ser descobertas no LHC. A supersimetria, por exemplo. Também há a
possibilidade de detectar evidências de outras dimensões.
FOLHA - A teoria da gravitação
quântica de laço que o sr. desenvolve poderá se revelar nos experimentos do LHC?
SMOLIN - Não.
FOLHA - O livro "Universo Elegante", de Brian Greene, foi um best-seller, vendido como divulgação das
fronteiras da ciência e não como
proselitismo da teoria de cordas. Ele
é acusado de ser o principal difusor
do que seria um modismo intelectual. Como o sr. avalia a obra de
Greene, que vendeu mais de um milhão de livros no mundo todo?
SMOLIN - É um livro muito bom.
A única falha é que ele não tem
um retrato verdadeiro das pesquisas, por não mencionar as
abordagens da gravidade quântica. Seu segundo livro ("O Tecido do Cosmo") é bem melhor
nesse aspecto.
FOLHA - Alguém citado anonimamente em seu livro diz que possivelmente os humanos não estariam
equipados para entender o sentido
da teoria de cordas, assim como cães
não poderiam aprender mecânica
quântica. Porque o sr. tem esperança de que nossos cérebros sejam
adequados para essa empreitada?
SMOLIN - Penso que nossos potenciais racionais são genéricos. Qualquer coisa que seja logicamente estruturada está
aberta ao nosso entendimento.
Texto Anterior: Com a corda no pescoço Próximo Texto: + Marcelo Gleiser: A controvérsia das supercordas Índice
|