São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2008

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Partícula "fantasma" surge em colisão em acelerador nos EUA

Choque gerou matéria não prevista pela teoria baseada na física quântica que explica o universo microscópico

Teóricos tentam explicar relato usando especulações sobre espaço com mais de três dimensões ou matéria que não interage com a luz


Fermilab
O detector CDF, do acelerador de partículas Tevatron, que registrou o fenômeno desconhecido

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma partícula elementar nunca vista nem imaginada pode ter sido detectada em um fenômeno registrado num experimento nos EUA. Apelidada pelos descobridores de "evento fantasma" num estudo divulgado às vésperas do Halloween, na semana passada, a observação foi primeiro motivo de piada. Mas agora está fazendo os cientistas quebrarem a cabeça.
O fenômeno foi visto no acelerador de partículas Tevatron, do Fermilab, laboratório em Batavia (EUA). Segundo os físicos, o surgimento de um certo grupo de partículas no experimento não pode ser explicado pelo Modelo Padrão, a teoria baseada em física quântica que explica o mundo microscópico.
O relato da observação ainda não passou por revisão técnica independente, mas já está sendo comentado por físicos em blogs e corredores de universidades. Segundo alguns pesquisadores, há uma chance de o fenômeno poder ser explicado pela produção da chamada matéria escura -que não emite luz nem radiação- ou por teorias que especulam que o espaço tem mais de três dimensões.
O Tevatron funciona usando ímãs para acelerar núcleos de átomos a velocidades próximas à da luz, formando raios que "trombam" uns com os outros dentro de um tubo. Nas colisões, as partículas se desintegram e transformam-se em componentes mais fundamentais da matéria: mais partículas.
O que os físicos viram de estranho agora foi a produção em excesso de múons, partículas similares aos elétrons, que são produzidas em quase todas as colisões nesse tipo de experimento. Os múons detectados agora no Tevatron, porém, estavam sendo produzidos em regiões "muito distantes" do ponto de colisão das partículas -mais de 1,5 cm. Alguns desses eventos puderam ser explicados, mas ainda há uma lacuna. Talvez os múons tenham saído da desintegração secundária de uma partícula desconhecida.
"No momento, somos incapazes de explicar o número e as propriedades dos eventos remanescentes, em cada qual pelo menos um potencial múon foi produzido fora do tubo do raio", afirma o estudo, assinado por cerca de dois terços dos mais de 600 pesquisadores que trabalham no CDF (Detector de Colisões do Fermilab).
"Se isso estiver certo, é mesmo incrivelmente entusiasmante", diz o teórico Neal Weiner, da Universidade de Nova York. "Seria o indício físico de algo talvez mais interessante do que temos imaginado."
Weiner, um dos autores de uma teoria para explicar a natureza da matéria escura no Universo, diz que já começaram a fazer contas para saber se o "fantasma" se encaixa em seu modelo. Segundo ele, porém, nada garante que uma explicação qualquer surja logo. "Mas eu ficaria entusiasmado com os dados do CDF mesmo assim."

Explicações mundanas
Segundo os próprios físicos que detectaram o novo fenômeno, porém, não está 100% claro se algo tão inusitado foi observado. "Ainda não descartamos uma explicação mundana para isso, e queremos deixar isso bem claro", diz Jacobo Konigsberg, porta-voz do CDF.
Fora do Tevatron, também há um pouco de ceticismo. "O CDF é uma experiência de respeito, que já tem muitos anos rodando; é uma colaboração séria e com credibilidade", disse à Folha Ignácio Bediaga, do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), que leu o estudo. Segundo ele, porém, é cedo para tentar encaixar o "fantasma" em teorias com dimensões extra ou matéria escura. "Como cerca de um terço dos colaboradores não quis assinar o trabalho, significa que há uma certa insegurança sobre o próprio fenômeno", diz o físico. "Eu prefiro esperar um pouco mais."
(RAFAEL GARCIA)

Com "New Scientist"



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