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GENÉTICA
Evolução manteve 2,5% de sequências sem genes no homem e no camundongo, que também devem ter função
Genoma de roedor reabilita DNA-"lixo"
MARCELO LEITE
EDITOR DE CIÊNCIA
Há muito mais coisas entre roedores e homens do que tem sonhado a genomania. Com a publicação do rascunho do DNA do camundongo, hoje, na revista científica "Nature", fica evidente que
genomas são bem mais complexos do que um livro de receitas, e
isso graças a uma grande surpresa: 2,5% da sequência é partilhada
pelas duas espécies, embora não
contenham genes.
Na forma tradicional do raciocínio genético, DNA que não é gene
não tem função, e é por isso chamado de DNA-lixo ("junk
DNA"). Os 2,5% de "tranqueira"
conservados agora descobertos
em realidade estão dizendo que
imprestável, mesmo, é a noção de
"DNA-lixo". Por uma simples razão: se foi mantido pela evolução
por milhões de anos, esse DNA
deve servir para alguma coisa -a
ciência é que ainda não foi capaz
de descobrir para quê.
Outros cerca de 3% que compõem os genes em cada genoma
são quase idênticos (99%) entre as
duas espécies.
Pelo menos 80% dos dois genomas podem ser agrupados em
longas sequências similares, herdadas pelas duas espécies de um
ancestral comum que viveu há 75
milhões de anos. O número de genes é similar, cerca de 30 mil.
A finalização do sequenciamento (soletração) do genoma do camundongo (Mus musculus) já havia sido anunciada em maio pelo
consórcio de sequenciamento
formado pelo Centro Whitehead
de Pesquisa Genômica do MIT
(Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA), pelo Centro de
Sequenciamento do Genoma da
Universidade Washington (Missouri, EUA) e pelo Instituto Sanger do Wellcome Trust (Reino
Unido). No mundo científico, porém, uma pesquisa só se torna
realidade quando é publicada, o
que ocorre agora na revista "Nature" (www.nature.com), em
grande estilo (mais de 70 págs.).
Um ano antes, a empresa Celera
Genomics havia terminado um
rascunho do genoma do camundongo ainda mais completo (99%
do DNA, contra 96% do consórcio público), mas seu conteúdo só
estava disponível mediante pagamento. A sequência do roedor feita pelo consórcio pode ser obtida,
gratuita e eletronicamente, por
qualquer pesquisador.
Cromossomo 21
A parcela de 2,5% de sequências
não-gênicas foi estimada num
dos vários artigos na "Nature" de
hoje, de Stylianos Antonarakis, da
Universidade de Genebra, e outros pesquisadores suíços. Eles se
basearam num estudo detalhado
do cromossomo 21 do homem,
mais conhecido por seu envolvimento na síndrome de Down (cujos portadores têm 3 e não 2 cópias do 21), e em sua comparação
com as sequências equivalentes
no camundongo.
"Essa observação tem implicações profundas no estudo dos genomas e na identificação de mutações envolvidas em moléstias
humanas", diz um comunicado
da Universidade de Genebra.
"O papel exato desses elementos genômicos não-gênicos, mas
importantes, é desconhecido,
mas provavelmente regulam a
função de genes (quando, onde e
como um gene funciona) ou fornecem a necessária estrutura dos
cromossomos, de modo que eles
funcionem apropriadamente."
Isso quer dizer que, ao concentrar toda sua atenção nos genes,
os cientistas podem estar deixando escapar alterações de DNA que
também podem exercer alguma
influência no desenvolvimento de
doenças -como o câncer, muitas
vezes associado com anomalias
cromossômicas.
"Há muito mais coisas que importam no genoma humano do
que pensávamos", disse Eric Lander, do Instituto Whitehead. Ele é
o autor principal do artigo central
na "Nature", que se estende por
43 páginas e conta com 222 assinaturas. "Ainda precisamos de
ajuda para interpretar esse livro
da vida", disse Kerstin Lindblad-Toh, também do Whitehead.
Cientistas dizem acreditar que
mais de 90% dos genes envolvidos em doenças sejam idênticos
em roedores e humanos, o que
acentua a importância do camundongo como animal-modelo da
pesquisa biomédica -uma história de sucesso iniciada em 1909,
quando roedores criados como
animais decorativos ("fancy mice") foram adotados por laboratórios de genética. Hoje, cerca de
25 milhões de camundongos são
consumidos por ano nos laboratórios de pesquisa, para estudo de
doenças como câncer, diabetes e
hipertensão.
Estima-se que a versão final do
genoma do camundongo fique
pronta em 2 a 3 anos. A do homem deve sair em abril próximo.
Com agências internacionais
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