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EVOLUÇÃO
Onça pode ser parente vivo mais próximo do leão, e suçuarana, do guepardo; grupo tem só 10,8 milhões de anos
DNA desenha álbum de família dos gatos
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Quem vê um bichano se espreguiçando no tapete da sala talvez
não imagine, mas o gatinho é herdeiro de uma dinastia sanguinária
e bem-sucedida de 10,8 milhões
de anos, que se espalhou pelo planeta a partir de algum lugar da
Ásia. Tal conclusão integra a mais
completa árvore genealógica já
traçada para os felinos, com a ajuda de genes e fósseis, na tentativa
de resolver uma série de incertezas que ainda rondam a movimentada história do grupo.
Desse balaio de gatos brotam
conclusões no mínimo inusitadas, pelo menos para quem não
está familiarizado com o álbum
de família dos bichanos. As onças-pintadas, por exemplo, podem ser os parentes vivos mais
próximos dos leões, diz o estudo.
Já a onça-parda ou suçuarana,
conforme outros trabalhos mostravam fazia tempo, não é onça
coisa nenhuma mas sim uma prima-irmã dos guepardos africanos, os mamíferos mais rápidos
do mundo (costumam ultrapassar fácil a barreira dos 100 km/h).
Os dados, que ainda precisam
ser refinados por novos estudos,
são especialmente interessantes
porque o quebra-cabeças da evolução de gatos e assemelhados
não é dos mais triviais, apesar de
ser muito estudado, conta o biólogo Eduardo Eizirik, da PUC-RS
(Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul) e do Instituto Pró-Carnívoros.
"O principal problema é que a
diversificação deles aconteceu
muito rápido. Não houve tempo
para que se acumulassem muitas
mutações [alterações no DNA]
que nos ajudem a distinguir entre
as linhagens", diz Eizirik, um dos
autores do estudo que sai hoje na
revista americana "Science"
(www.sciencemag.org).
Além disso, a mera análise dos
bichos vivos e de seu esqueleto
pode deixar os pesquisadores
num mato sem cachorro, porque
fisicamente todos os gatos, grandes ou pequenos, são muito parecidos. "A impressão que dá é que
eles atingiram um padrão de forma e comportamento no qual não
dá para mexer muito", diz ele.
Ataque ao genoma
Foi por isso que a equipe, liderada por Stephen O'Brien, do Laboratório de Diversidade Genômica
do Instituto Nacional do Câncer
(Estados Unidos), decidiu fazer
um ataque abrangente às "letras"
químicas do DNA de bichanos e
afins. Eles analisaram trechos de
39 genes -isso para cada uma
das 38 espécies de felinos atuais.
Depois, estimaram quando subgrupos e espécies individuais se
separaram, com a ajuda de 16 fósseis cujas idades estão bem estabelecidas pelos paleontólogos.
A impressão de uma diversificação "apressadinha" dos felinos é
certamente confirmada pela análise. Cerca de 600 mil anos -um
espirro evolutivo- é o intervalo
entre a formação de cada uma das
oito grandes linhagens de gatos. "À primeira vista, o trabalho parece bem
congruente. O grupo de O'Brien
está na vanguarda da genética de
felinos faz mais de uma década",
diz Ross Barnett, especialista em
evolução molecular da Universidade de Oxford (Reino Unido).
A história começa na Ásia e se
espalha para os outros continentes graças, muitas vezes, a mudanças no nível do mar. Na América
do Sul, por exemplo, há sinais de
que os bichos tenham feito pelo
menos três entradas separadas.
"A diversificação da jaguatirica
e seus parentes, que entraram primeiro, encaixa-se bem com o fechamento do istmo do Panamá",
diz Eizirik. Explica-se: até então
(uns 3 milhões de anos atrás) a
América do Sul era um continente-ilha. Foi seu contato com o norte via Panamá que permitiu a chegada dos felinos. Depois teriam
vindo as suçuaranas e, por último,
as onças-pintadas. "Não sei se
concordo com uma origem americana para as onças-pardas, já
que os fósseis mais antigos estão
na Europa", diz Barnett.
Embora os dados indiquem que
onças são os parentes vivos mais
próximos dos leões, Eizirik diz
que ainda é preciso elucidar melhor o elo. "O que está claro é que
leão, onça e leopardo formam um
grupo muito próximo, com os tigres mais longe." Quanto a bichanos domésticos, há pouca controvérsia: seus parentes mais próximos parecem ser os gatos selvagens africanos (Felis lybica),
maiores e de pernas mais longas
que a versão caseira.
Outro mistério é as razões para
a expansão aparentemente explosiva dos felinos. Talvez o desaparecimento de outros carnívoros
tenha aberto espaço para eles.
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