São Paulo, sexta-feira, 06 de janeiro de 2006

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EVOLUÇÃO

Onça pode ser parente vivo mais próximo do leão, e suçuarana, do guepardo; grupo tem só 10,8 milhões de anos

DNA desenha álbum de família dos gatos

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem vê um bichano se espreguiçando no tapete da sala talvez não imagine, mas o gatinho é herdeiro de uma dinastia sanguinária e bem-sucedida de 10,8 milhões de anos, que se espalhou pelo planeta a partir de algum lugar da Ásia. Tal conclusão integra a mais completa árvore genealógica já traçada para os felinos, com a ajuda de genes e fósseis, na tentativa de resolver uma série de incertezas que ainda rondam a movimentada história do grupo.
Desse balaio de gatos brotam conclusões no mínimo inusitadas, pelo menos para quem não está familiarizado com o álbum de família dos bichanos. As onças-pintadas, por exemplo, podem ser os parentes vivos mais próximos dos leões, diz o estudo. Já a onça-parda ou suçuarana, conforme outros trabalhos mostravam fazia tempo, não é onça coisa nenhuma mas sim uma prima-irmã dos guepardos africanos, os mamíferos mais rápidos do mundo (costumam ultrapassar fácil a barreira dos 100 km/h).
Os dados, que ainda precisam ser refinados por novos estudos, são especialmente interessantes porque o quebra-cabeças da evolução de gatos e assemelhados não é dos mais triviais, apesar de ser muito estudado, conta o biólogo Eduardo Eizirik, da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e do Instituto Pró-Carnívoros.
"O principal problema é que a diversificação deles aconteceu muito rápido. Não houve tempo para que se acumulassem muitas mutações [alterações no DNA] que nos ajudem a distinguir entre as linhagens", diz Eizirik, um dos autores do estudo que sai hoje na revista americana "Science" (www.sciencemag.org).
Além disso, a mera análise dos bichos vivos e de seu esqueleto pode deixar os pesquisadores num mato sem cachorro, porque fisicamente todos os gatos, grandes ou pequenos, são muito parecidos. "A impressão que dá é que eles atingiram um padrão de forma e comportamento no qual não dá para mexer muito", diz ele.

Ataque ao genoma
Foi por isso que a equipe, liderada por Stephen O'Brien, do Laboratório de Diversidade Genômica do Instituto Nacional do Câncer (Estados Unidos), decidiu fazer um ataque abrangente às "letras" químicas do DNA de bichanos e afins. Eles analisaram trechos de 39 genes -isso para cada uma das 38 espécies de felinos atuais. Depois, estimaram quando subgrupos e espécies individuais se separaram, com a ajuda de 16 fósseis cujas idades estão bem estabelecidas pelos paleontólogos.
A impressão de uma diversificação "apressadinha" dos felinos é certamente confirmada pela análise. Cerca de 600 mil anos -um espirro evolutivo- é o intervalo entre a formação de cada uma das oito grandes linhagens de gatos. "À primeira vista, o trabalho parece bem congruente. O grupo de O'Brien está na vanguarda da genética de felinos faz mais de uma década", diz Ross Barnett, especialista em evolução molecular da Universidade de Oxford (Reino Unido).
A história começa na Ásia e se espalha para os outros continentes graças, muitas vezes, a mudanças no nível do mar. Na América do Sul, por exemplo, há sinais de que os bichos tenham feito pelo menos três entradas separadas.
"A diversificação da jaguatirica e seus parentes, que entraram primeiro, encaixa-se bem com o fechamento do istmo do Panamá", diz Eizirik. Explica-se: até então (uns 3 milhões de anos atrás) a América do Sul era um continente-ilha. Foi seu contato com o norte via Panamá que permitiu a chegada dos felinos. Depois teriam vindo as suçuaranas e, por último, as onças-pintadas. "Não sei se concordo com uma origem americana para as onças-pardas, já que os fósseis mais antigos estão na Europa", diz Barnett.
Embora os dados indiquem que onças são os parentes vivos mais próximos dos leões, Eizirik diz que ainda é preciso elucidar melhor o elo. "O que está claro é que leão, onça e leopardo formam um grupo muito próximo, com os tigres mais longe." Quanto a bichanos domésticos, há pouca controvérsia: seus parentes mais próximos parecem ser os gatos selvagens africanos (Felis lybica), maiores e de pernas mais longas que a versão caseira.
Outro mistério é as razões para a expansão aparentemente explosiva dos felinos. Talvez o desaparecimento de outros carnívoros tenha aberto espaço para eles.


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