São Paulo, domingo, 06 de janeiro de 2008

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+ Marcelo Leite

Ciência para todos


CNPq, Fapesp e Capes devem seguir o exemplo dos EUA


Não foi só o presidente Lula que aproveitou o apagar das luzes de 2007 para agradar cientistas, facilitando a importação de materiais e equipamentos para pesquisa (instrução normativa da Receita Federal nº 799, de 26 de dezembro). George W. Bush seguiu seu exemplo e assinou, na mesma data, norma que determina o acesso público a todo artigo científico com resultados de pesquisas financiadas pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) de seu país.
Trata-se de um reforço importante para o movimento do acesso aberto, segundo o qual a ciência depende da circulação livre de idéias e resultados para se realizar plenamente. Antes da internet, isso era garantido por periódicos como "Nature" e "Science", que se encarregavam de organizar a auditoria da qualidade conhecida como revisão por pares ("peer review") e recebiam bem por isso, na forma de assinaturas caríssimas.
Os NIH são o maior financiador de pesquisas biomédicas dos EUA, com um orçamento anual de US$ 28,9 bilhões (R$ 51,2 bilhões, R$ 10 bilhões a mais do que todo o investimento previsto para os próximos quatro anos pelo PAC da ciência e tecnologia). A decisão de Bush tem impacto enorme, mas não chega a ameaçar a sobrevivência das editoras que enchem as burras com os periódicos científicos.
Essas publicações continuarão a receber centenas, milhares de artigos dos EUA e do mundo todo. Os pesquisadores não vão abrir mão de seu alto índice de impacto, o número médio de citações obtido por artigos ali publicados (coisa de 31, no caso da "Nature", e 30, no da "Science"). Mas terão de depositar os mesmos trabalhos, no prazo máximo de 12 meses, em diretórios de acesso público, como o PubMed (www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed).
Os periódicos comerciais continuarão tendo exclusividade por um ano sobre a pesquisa de ponta no mundo. A medida de Bush é mais tímida do que a determinação de um dos maiores financiadores do Reino Unido, o Wellcome Trust, que estipula seis meses no máximo. Isso para não falar do número crescente de cientistas que opta por divulgar seus trabalhos em periódicos abertos, como os das famílias PLoS (www.plos.org) e BMC (www.biomedcentral.com).
No Brasil, como de hábito, anda-se com atraso. Não existe norma obrigando pesquisadores a dar publicidade livre a seus trabalhos. Há duas iniciativas, contudo, que lutam a duras penas para aumentar o acesso público aos resultados da ciência: os portais Periódicos (www.periodicos.capes.gov.br) e SciELO (www.scielo.br). São dois modelos um tanto diferentes. A Capes segue a via convencional de garantir acesso de cientistas brasileiros, em bloco, ao texto de 11.419 "journals" do mundo todo, ferramenta de pesquisa bibliográfica que se tornou indispensável. A cada ano, arranca acordos milionários -das editoras, de um lado, e da equipe econômica do governo federal, de outro- para o que na realidade é um acesso restrito (só pesquisadores podem ler e baixar os artigos científicos recentes).
A SciELO, apesar do nome anglófilo (Scientific Electronic Library Online), de certa maneira é mais ousada, na medida em que tenta interferir no modelo de publicação, não só no de acesso. O portal, criado há dez anos em São Paulo, reúne 137 mil artigos de quase 500 revistas científicas do Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Cuba, Portugal, Venezuela e Espanha.
Só falta agora CNPq, Fapesp, Capes e outras instituições de fomento seguirem o exemplo dos NIH e do Wellcome Trust.


MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Clones Demais" e "O Resgate das Cobaias", da série de ficção infanto-juvenil Ciência em Dia (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia (www.cienciaemdia.zip.net). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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