São Paulo, terça-feira, 06 de fevereiro de 2007

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OMC quer priorizar ambiente, diz Lamy

Dirigente da Organização Mundial do Comércio diz em reunião com ministros do Ambiente que áreas não são opostas

Encontro é o primeiro depois do lançamento de relatório de painel de cientistas da ONU que alertou para os perigos do efeito estufa

Reuters
O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, assiste a um filme sobre a questão ambiental enquanto anda num carrossel em Nairóbi

ANA FLOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM NAIRÓBI

A OMC (Organização Mundial do Comércio) está pronta para priorizar meio ambiente na sua agenda de negociações. Esta foi a mensagem que o diretor-geral da organização, Pascal Lamy, levou ontem aos mais de 90 ministros do Ambiente reunidos em Nairóbi (Quênia), para o encontro do conselho de administração do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).
Os ministros se reuniram ontem pela primeira vez desde que o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) publicou, na sexta-feira, seu relatório com um alerta aos governos sobre os efeitos drásticos e irreversíveis do aquecimento global. Lamy afirmou que a rodada de Doha, paralisada por impasses no campo das tarifas e subsídios agrícolas, é uma "promessa" para a área ambiental - e pediu ajuda dos ministros e a toda comunidade ambiental para destravar as negociações.
Esta foi a primeira vez que o dirigente da OMC participa desse tipo de reunião, em um dia de discussões que foi dominado por debates sobre globalização, comércio e ambiente. A iniciativa das duas organizações sinaliza a importância do o comércio para a área ambiental -e vice-versa, segundo Lamy. A ressalva de muitos ministros durante as discussões foi a dificuldade de defender o ambiente em governos geralmente dominados pela esfera comercial. Lamy ressaltou o problema das "incoerências" de países que tomam posições opostas em negociações comerciais e ambientais.
Ele afirmou que órgãos como a OMC e Pnuma trabalham para acabar com a a falta de uma posição unificada, mesmo quando ela é intencional. A mensagem de Lamy, criticada por ministros no plenário, reforçou o óbvio: acabar com tais incoerências depende da vontade dos países-membros. "Se eles [países-membros] assim decidirem, tudo isto pode ser realidade amanhã", disse Lamy em entrevista à Folha.
 

FOLHA - Quão importante para o comércio é a questão do ambiente?
PASCAL LAMY
- Nós temos, na OMC, uma carta de princípios que afirma nossas missões básicas. Ambiente está lá: "A abertura comercial precisa contribuir para desenvolvimento sustentável". Não vemos de um lado o aumento do comércio e, de outro, a preservação do ambiente. A OMC foi o primeiro fórum a estabelecer que comércio e ambiente precisam ser revistos regularmente. E isto é desenvolvido nos vários campos onde agimos.

FOLHA - Este é um objetivo da OMC, mas o sr. vê países agindo nesta direção?
LAMY
- Claro. O aumento da consciência em questões como mudanças climáticas está mudando posições. Alguns países em desenvolvimento que há dez anos apostavam da inexistência de vínculos entre comércio e ambiente, muitos por medo do que eu chamo de "protecionismo verde", se dão conta hoje de que pode ser bom para eles entrar em formas de produção mais sustentáveis. Portanto, se muda a opinião pública, a qual todos estes ministros precisam dar uma resposta, eles mudam.

FOLHA - O senhor fala da incoerência de países que têm posições divergentes em comércio e ambiente.
LAMY
- Nós enfrentamos essa incoerência permanentemente. Isso porque você não tem um governo global, você tem a OMC, o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) etc. A forma como o sistema internacional está estruturado cria a impressão no público em geral de que depende da OMC, como organização, negociar com o Pnuma quando existem tensões. A realidade é que a nossa autoridade para melhorar esse tipo de incoerência - e eu não direi que este poder não existe - é limitada. No final, são nossos membros, os países, que têm este poder.
Se um país toma uma posição na OMC com uma mão, e com a outra mão toma uma decisão na direção oposta no Pnuma, cabe a ele melhorar sua coerência. [Os países] muitas vezes não têm uma atitude coerente, ou por terem uma capacidade de coordenação fraca ou por uma ação deliberada que depende da estratégia que o país tem no sistema internacional.

FOLHA - Como mudar a situação?
LAMY
- O que nós podemos fazer, OMC, Pnuma, por exemplo, é reverberar a realidade de maneira a relaxar este tipo de tensão, mostrando que ambas posições têm suas implicações comerciais. Em muitos casos, estas tensões já estão remediadas em diversos aspectos. Claro que, de tempos em tempos, temos que voltar aos nossos membros. Dependemos da decisão deles, e certamente nós não temos autoridade completa para impor coerência a suas posições.

FOLHA - O senhor falou que a a rodada de Doha pode ser uma promessa para o ambiente. Como?
LAMY
- Essa negociação foi feita, por exemplo, na área de redução de subsídios, redução de tarifas em bens que contribuem para sustentabilidade, abertura de mercados para serviços que favoreçam o ambiente. Exemplos destas discussões estão na mesa. As negociações estão ocorrendo e podem levar a bons resultados nestas áreas. Se eles [países-membros] assim decidirem, tudo isto pode ser realidade amanhã.


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