São Paulo, domingo, 06 de março de 2005

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BIOSSEGURANÇA

Cientistas de vários Estados afirmam que transição para novas células é viável, mas apontam incertezas

Grupos se animam para estudar embrião

SALVADOR NOGUEIRA
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Em princípio, os pesquisadores brasileiros que hoje estudam o potencial terapêutico das células-tronco adultas teriam poucos problemas para se adaptar às perspectivas abertas pela nova Lei de Biossegurança. A instrumentação de laboratório e os métodos de cultivo que eles já usam são suficientes para enfrentar o desafio de transformar também as células-tronco embrionárias, em tese mais versáteis que as adultas, em futuras opções de terapia.
"Os equipamentos são basicamente os mesmos", contou à Folha Rosalia Mendez Otero, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Otero e seus colegas Radovan Borojevic e Hans Dohmann (este do Hospital Pró-Cardíaco, também no Rio) ganham manchetes desde 2002, graças à recuperação de pacientes cardíacos terminais com células-tronco adultas da medula óssea.
"Nossa idéia é continuar com os protocolos clínicos que já temos e compará-los com as células embrionárias -mas primeiro só com modelos experimentais [em laboratório e com animais]", diz. Esse, aliás, é o xis da questão: a promessa das células-tronco embrionárias como arma contra diabetes, mal de Parkinson e uma infinidade de doenças ainda precisa ser testada e retestada com esses modelos de laboratório.
Em tese, as células-tronco embrionárias poderiam ser usadas para "fabricar" qualquer tecido do organismo, dos neurônios do cérebro às unhas do dedão do pé. Elas surgem quando os mamíferos (e o homem) não passam de uma bolinha oca de umas cem células, com cinco dias de vida. Segundo a maioria dos pesquisadores, elas seriam ainda mais poderosas do que as células-tronco adultas, mas eles ainda sabem muito pouco sobre como fazê-las se transformar nos tecidos que desejam ou evitar que causem efeitos indesejados, como câncer.
O que não impediu os pesquisadores brasileiros de ganhar experiência na área muito antes da liberação dos estudos com embriões humanos. Para os grupos que trabalhavam com células-tronco embrionárias derivadas de animais, o esforço agora permitido ganha cara de continuidade.

Experiência prévia
"Eu já tinha um bocado de experiência com células-tronco de camundongo. Agora queremos fazer a mesma coisa com embriões humanos", diz Eliana Abdelhay, do Inca (Instituto Nacional de Câncer), no Rio de Janeiro. Usando roedores como modelo, a equipe se concentrava em desenvolver as chamadas células CD34, consideradas as "mães" de todos os componentes do sangue.
Outro grupo que segue a mesma linha de pesquisa é o de Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências da USP. Ela já havia conduzido experimentos com células-tronco de camundongo e havia iniciado recentemente testes com linhagens celulares derivadas de embriões humanos. O material foi importado dos EUA, do laboratório de Douglas Melton, da Universidade Harvard.
O pesquisador, que tem um filho diabético, conseguiu estudar as células mesmo sem o apoio do governo americano, que proíbe esse tipo de pesquisa, e ainda distribuiu de graça linhagens delas pelo mundo. Ricardo Ribeiro dos Santos, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) da Bahia, também já usava as células de Melton. Com a aprovação da lei, ele é um dos que pretendem derivar linhagens embrionárias tupiniquins.

Cautela e canja de galinha
Santos mostra uma cautela saudável em relação à expectativa que a nova legislação criou. "Essa mudança vai ser importante do ponto de vista de pesquisa, mas o reflexo para os pacientes, por enquanto, vai ser muito pequeno", adverte. "Serão necessários pelo menos quatro ou cinco anos de pesquisa antes que eu consiga obter autorização para testar algum tipo de tratamento, e isso é porque eu estou num hospital", complementa Abdelhay.
A equipe de Santos também deve manter esforços paralelos nas frentes adulta e embrionária. O pesquisador já tratou com sucesso doentes com mal de Chagas e está esperando autorização da Conep (Comitê Nacional de Ética em Pesquisa) para tentar o mesmo em pessoas que precisam de transplante de fígado.
Já Mayana Zatz, chefe do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, pretende desenvolver linhagens que ajudem a combater as distrofias musculares, doenças sem cura causadas por defeitos genéticos.
A busca de tratamentos, no entanto, não é a única motivação por trás do estudo das células-tronco embrionárias. Muitas vezes, antes que se desenvolva uma cura, é preciso entender como a doença se desenvolve. Para esses casos, é útil usar o embrião como modelo em miniatura do que vai acontecer com o organismo adulto. A idéia, impulsionada pela possibilidade de clonar embriões a partir do DNA de pessoas com a doença (técnica proibida no Brasil, mas liberada em países como o Reino Unido), é o foco atual das pesquisas de Ian Wilmut, do Instituto Roslin, o criador da ovelha clonada Dolly.


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