São Paulo, sexta-feira, 06 de abril de 2007 |
Próximo Texto | Índice
Relatório prevê crise de água e alimento
Segunda parte de documento do painel do clima da ONU deve indicar que impacto do aquecimento virá já no meio do século
MARCO AURÉLIO CANÔNICO ENVIADO ESPECIAL A BRUXELAS Os efeitos das mudanças climáticas sobre o ambiente e a sociedade não só já são nítidos como podem levar, ainda na primeira metade deste século, à escassez de água e de alimentos, além de fenômenos inusitados -e assustadores- como dengue na Europa. Esta é a mensagem que os cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) devem divulgar hoje, em Bruxelas (Bélgica), com os dados da segunda parte do chamado AR4, o Quarto Relatório de Avaliação da saúde do clima do planeta. Direcionado aos "policymakers" -os fazedores de políticas públicas-, o sumário apresenta evidências dos impactos físicos (os mais nítidos), biológicos (os mais bem-documentados) e sociais (os mais controversos) causados pelo aquecimento global. O texto também analisa a vulnerabilidade das regiões do planeta e as ações a serem tomadas para aumentar a "capacidade adaptativa" da humanidade à porção inevitável das mudanças climáticas. Cientistas ouvidos pela Folha rejeitam, no entanto, a idéia de que os dados podem cristalizar uma visão apocalíptica sobre o futuro do planeta. "Não é uma apresentação catastrofista, é um relatório científico honesto, as pessoas verão que as mudanças não vão acontecer do dia para a noite", disse Mohan Munasinghe, vice-presidente do IPCC. "As boas notícias são que temos evidências científicas claras, sugestões de iniciativas políticas para reduzir a vulnerabilidade e para melhorar a habilidade da sociedade de se adaptar às mudanças", completou. Europa doente O brasileiro Ulisses Confalonieri, da Fiocruz, coordenador do capítulo do relatório que trata sobre saúde, é outro que relativiza o tamanho do problema, no que tange aos fenômenos já observáveis. "De implicação para o Brasil, na parte de saúde, não tem nada. A Europa parece estar mais vulnerável", diz Confalonieri. "Eles estão assustados com doenças como dengue, leshimaniose, malária, coisas que podem vir da África, cujos vetores podem começar a subir para a Europa com o aumento da temperatura." O maior calor amplia tanto a zona de distribuição de insetos quanto o período quente, propício à sua reprodução, durante o ano. Não que o impacto sobre a saúde seja desprezível: a exacerbação da poluição urbana, a seqüência de ondas de calor nos países de clima temperado e o maior número de eventos extremos (tempestades, inundações etc.) aumentam o risco para seres humanos -especialmente velhos, crianças e, claro, moradores de áreas pobres. Mas, segundo o pesquisador brasileiro, entre os dados que serão apresentados hoje o impacto "mais chocante e mais bem-documentado" será na diversidade biológica do planeta. Outra inter-relação que vai ganhar mais destaque a partir dos novos dados é aquela entre as mudanças projetadas e questões de segurança. Yvo de Boer, secretário-executivo da Convenção do Clima das Nações Unidas, alertou em comunicado para o perigo de que as mudanças climáticas disparem conflitos por água. "Os impactos projetados nos mostram que precisamos lançar urgentemente um acordo para ações internacionais futuras e para a criação de fundos para ações de adaptação." Conselho de Segurança A seriedade do problema foi corroborada ontem pelo anúncio de que o Conselho de Segurança da ONU debaterá pela primeira vez, no próximo dia 17, a mudança climática como ameaça à paz e à segurança. "De acordo com algumas estimativas, as mudanças ambientais já deslocaram quase tantas pessoas quanto o número de refugiados tradicionais", diz De Boer em seu texto. "À medida que os impactos do clima forem mais drásticos, o número de desabrigados deve crescer consideravelmente, chegando possivelmente a 50 milhões de pessoas em 2010." A falta de água e comida como fator de migração também é considerada por Confalonieri. "O IPCC projeta, para a primeira metade deste século, uma redução na produção de alimentos nos trópicos, pela diminuição das chuvas", explica. Próximo Texto: Conclusão de texto envolve debate intenso Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |