São Paulo, sexta-feira, 06 de abril de 2007

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Relatório prevê crise de água e alimento

Segunda parte de documento do painel do clima da ONU deve indicar que impacto do aquecimento virá já no meio do século

Texto do IPCC, a ser lançado hoje em Bruxelas, sugere ainda danos a ecossistemas e disseminação de doenças como a dengue na Europa

Rajeesh Singh - 22.mar.2007/Associated
Devoto hindu bebe água poluída do rio Ganges, na Índia, país que sofrerá escassez de água doce devido ao degelo do Himalaia

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
ENVIADO ESPECIAL A BRUXELAS

Os efeitos das mudanças climáticas sobre o ambiente e a sociedade não só já são nítidos como podem levar, ainda na primeira metade deste século, à escassez de água e de alimentos, além de fenômenos inusitados -e assustadores- como dengue na Europa.
Esta é a mensagem que os cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) devem divulgar hoje, em Bruxelas (Bélgica), com os dados da segunda parte do chamado AR4, o Quarto Relatório de Avaliação da saúde do clima do planeta.
Direcionado aos "policymakers" -os fazedores de políticas públicas-, o sumário apresenta evidências dos impactos físicos (os mais nítidos), biológicos (os mais bem-documentados) e sociais (os mais controversos) causados pelo aquecimento global.
O texto também analisa a vulnerabilidade das regiões do planeta e as ações a serem tomadas para aumentar a "capacidade adaptativa" da humanidade à porção inevitável das mudanças climáticas.
Cientistas ouvidos pela Folha rejeitam, no entanto, a idéia de que os dados podem cristalizar uma visão apocalíptica sobre o futuro do planeta.
"Não é uma apresentação catastrofista, é um relatório científico honesto, as pessoas verão que as mudanças não vão acontecer do dia para a noite", disse Mohan Munasinghe, vice-presidente do IPCC.
"As boas notícias são que temos evidências científicas claras, sugestões de iniciativas políticas para reduzir a vulnerabilidade e para melhorar a habilidade da sociedade de se adaptar às mudanças", completou.

Europa doente
O brasileiro Ulisses Confalonieri, da Fiocruz, coordenador do capítulo do relatório que trata sobre saúde, é outro que relativiza o tamanho do problema, no que tange aos fenômenos já observáveis.
"De implicação para o Brasil, na parte de saúde, não tem nada. A Europa parece estar mais vulnerável", diz Confalonieri.
"Eles estão assustados com doenças como dengue, leshimaniose, malária, coisas que podem vir da África, cujos vetores podem começar a subir para a Europa com o aumento da temperatura." O maior calor amplia tanto a zona de distribuição de insetos quanto o período quente, propício à sua reprodução, durante o ano.
Não que o impacto sobre a saúde seja desprezível: a exacerbação da poluição urbana, a seqüência de ondas de calor nos países de clima temperado e o maior número de eventos extremos (tempestades, inundações etc.) aumentam o risco para seres humanos -especialmente velhos, crianças e, claro, moradores de áreas pobres.
Mas, segundo o pesquisador brasileiro, entre os dados que serão apresentados hoje o impacto "mais chocante e mais bem-documentado" será na diversidade biológica do planeta.
Outra inter-relação que vai ganhar mais destaque a partir dos novos dados é aquela entre as mudanças projetadas e questões de segurança.
Yvo de Boer, secretário-executivo da Convenção do Clima das Nações Unidas, alertou em comunicado para o perigo de que as mudanças climáticas disparem conflitos por água.
"Os impactos projetados nos mostram que precisamos lançar urgentemente um acordo para ações internacionais futuras e para a criação de fundos para ações de adaptação."

Conselho de Segurança
A seriedade do problema foi corroborada ontem pelo anúncio de que o Conselho de Segurança da ONU debaterá pela primeira vez, no próximo dia 17, a mudança climática como ameaça à paz e à segurança.
"De acordo com algumas estimativas, as mudanças ambientais já deslocaram quase tantas pessoas quanto o número de refugiados tradicionais", diz De Boer em seu texto.
"À medida que os impactos do clima forem mais drásticos, o número de desabrigados deve crescer consideravelmente, chegando possivelmente a 50 milhões de pessoas em 2010."
A falta de água e comida como fator de migração também é considerada por Confalonieri.
"O IPCC projeta, para a primeira metade deste século, uma redução na produção de alimentos nos trópicos, pela diminuição das chuvas", explica.


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