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+ Marcelo Leite
Boimate e boimano
O 1º de abril também faz
vítimas no jornalismo científico
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Poderia ser o nome de uma dupla
sertaneja pós-moderna, mas
são apenas dois híbridos improváveis separados por 25 anos de progresso tecnobiológico. O primeiro foi
uma fraude. O segundo é realidade,
embora também tenha vindo à luz
num 1º de abril.
"Boimate" virou gíria jornalística
no Brasil por obra da revista "Veja".
Em 27 de abril de 1983, noticiou:
"Num ousado avanço da biologia molecular, dois biólogos de Hamburgo,
na Alemanha, fundiram pela primeira
vez células animais com células vegetais -as de um tomateiro com as de
um boi. Deu certo." Seus editores haviam caído no 1º de abril da revista
britânica "New Scientist".
"Boimano" é invenção da coluna -o
nome, vale dizer. Porque o híbrido de
boi com humano de fato existe. Ou
melhor: existiu (as células morreram
três dias depois). Para ser preciso, era
um híbrido de vaca com gente.
Como a notícia foi divulgada pela
BBC na terça-feira, 1º de abril, muitos
jornalistas devem ter desconfiado.
Em reportagem de Fergus Walsh, a
BBC anunciava que pesquisadores da
Universidade de Newcastle haviam fabricado um embrião-quimera, parte
vacum, parte humano.
Era verdade, mas faltava um elemento crucial da notícia científica: a
validação, em geral dada por um periódico acadêmico que submeta estudos recebidos à avaliação crítica de especialistas ("peer-review"). O trabalho de Lyle Armstrong não tinha ainda gerado artigo algum.
A confirmação partiu da própria
universidade: Armstrong havia apresentado dados preliminares sobre os
híbridos numa palestra no Knesset, o
Parlamento de Israel, em 27 de março.
Logo na segunda frase do comunicado, a universidade avisava: "Tais dados precisam ser verificados e o Dr. Armstrong e a Universidade de Newcastle seguirão o sistema de "peer review" [literalmente, revisão por pares], como é procedimento normal."
O texto citava John Burn, diretor do
Instituto de Genética Humana de
Newcastle: "Se a equipe puder produzir células que sobrevivam em cultura,
isso abrirá a porta para uma compreensão melhor de processos patológicos sem ter de empregar óvulos humanos preciosos".
"Células cultivadas usando óvulos
animais não podem ser usadas para
tratar pacientes, por razões de segurança, mas ajudarão a aproximar o dia
em que novas terapias com células-tronco estarão disponíveis", afirmou
ainda Burn.
Ouvido pela agência Reuters, o conhecido bioeticista americano Arthur
Caplan considerou que alguns poucos
estudos desse tipo seriam "moralmente justificáveis". Já a Igreja Católica britânica qualificou o experimento como "monstruoso".
O que Armstrong fez foi retirar o
núcleo (parte da célula onde ficam os
cromossomos, ou seja, DNA e genes)
de um óvulo de vaca, fundindo em seguida a célula desnucleada com outra
humana, obtida de embrião -cujo uso
em pesquisa é legal no Reino Unido.
Uma descarga elétrica "desperta" a
construção celular, que começa a se
dividir como um embrião, produzindo
proteínas humanas características
(pois só estão disponíveis cromossomos e genes desta espécie).
Trata-se sem dúvida de uma quimera, ou quase-quimera. A vaca é uma
acionista minoritária, que entra só
com 0,1% do capital genético, todo ele
aportado nas mitocôndrias (organelas
celulares indispensáveis para a vida,
mas sem papel na produção das características do organismo).
Uma curiosidade, enfim. Só um
pouquinho melhor que um 1º de abril.
MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais
Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas
Brasileiros" (Editora Ática, 2007).
Blog: Ciência em Dia (www.cienciaemdia.zip.net).
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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