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Crise do clima precede guinada cultural
Humanidade terá de alterar seu estilo de vida e seus padrões de consumo, diz presidente de painel das Nações Unidas
Indiano Rajendra Pachauri
critica consumo de carne em
encontro; para cientista da
África, mudança de hábito
não exigirá muito "sacrifício"
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A BANCOC
Pela primeira vez, o IPCC
(Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas) reconheceu que fatores meramente
culturais têm um impacto
imenso no clima. Ações individuais que não trazem prejuízo e
podem até fazer bem -como
andar a pé- podem dar grande
contribuição para superar a crise do clima. Por que não, também, trocar o carro pelo metrô?
Ao apresentar anteontem em
Bancoc, na Tailândia, o novo
relatório do IPCC sobre o combate às emissões de gases do
efeito estufa, Rajendra Pachauri, presidente do painel, destacou a importância da dimensão
cultural. "A humanidade precisa olhar para seu estilo de vida e
seus padrões de consumo." Ele
citou o exemplo do ex-presidente americano Jimmy Carter, que decidiu abaixar o termostato de sua casa no inverno
e usar cardigãs nos anos 1970.
O ex-premiê japonês Junichiro Koizumi, quando estava
no poder, também aboliu o uso
de gravata nas repartições públicas, para dispensar o "energético" ar-condicionado.
"Todo mundo aqui pode usar
cardigã sem sacrificar seu conforto", concluiu Pachauri.
Para o coordenador do Grupo de Trabalho 3 do IPCC, o engenheiro Ogunlade Davidson,
professor da Universidade de
Serra Leoa, na África, alterar
hábitos no dia-a-dia "não é um
sacrifício, é só uma mudança".
Para ele, é perfeitamente
possível ter um bom estilo de
vida sem contribuir muito para
a emissão de gases que agravam
o efeito estufa.
O IPCC também mostra que,
de longe, o maior potencial de
mitigação está em construções
comerciais e residenciais.
Bons resultados de eficiência
energética, por exemplo, podem ser obtidos com a troca de
lâmpadas incandescentes por
lâmpadas fluorescentes.
A mudança no design de prédios, para aproveitar melhor a
luz solar (nos países frios) ou
dispensar o uso de ar-condicionado (nos quentes), é um outro
caminho que deve ser seguido,
segundo o painel da ONU.
Resolver os problemas de casas e prédios, porém, de nada
adianta se não houver mudança
na geração de energia. O uso de
biocombustíveis no setor de
transportes e a redução do desmatamento, duas coisas que o
Brasil já vem fazendo, também
são elencadas pelo IPCC como
contribuições importantes.
Apesar de reclamações de alguns países, a energia nuclear
aparece, pela primeira vez em
um relatório do IPCC, como
uma opção de mitigação. O problema dela, dizem os críticos, é
o lixo tóxico que é gerado.
Sem panacéia
"Seria ingênuo acreditar que
tecnologias recém-desenvolvidas em laboratórios são parte
da solução", disse Rajendra Pachauri, numa crítica velada aos
EUA -que alegam que seus investimentos em pesquisas tecnológicas são a melhor arma
contra o aquecimento.
"Tecnologias precisam fazer
parte de um pacote de políticas
públicas", disse.
Pachauri, durante a apresentação do relatório sobre mitigação do aquecimento global
também não perdeu a oportunidade de dar um recado pessoal, como ele fez questão de
frisar aos presentes.
"Se as pessoas comessem
menos carne, provavelmente
ficariam mais sadias e, ao mesmo tempo, contribuiriam para
reduzir as emissões geradas pela criação do gado", afirmou.
Segundo o presidente do
IPCC, produzir carne, transportá-la, conservá-la em frigoríficos e depois fazer a distribuição contribui com o aquecimento global. Estimativas
mostram que um quilo de carne na casa do consumidor corresponde a 3,7 quilos de carbono emitido.
Mas não é agora que os vegetarianos vão se tornar, da noite
para o dia, os paladinos do clima. O próprio IPCC aponta o
metano que emana das plantações de arroz, por exemplo, como uma das maiores fontes de
emissões da agropecuária.
Comparativamente, o motorista que usa seu carro 1.0, com
motor a gasolina, durante 50
km por dia durante um ano, vai
emitir quase 3.000 quilos de
carbono, o equivalente a mais
ou menos à quantidade de 800
quilos de carne bovina.
Com agências internacionais
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