São Paulo, domingo, 06 de junho de 2010

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ANÁLISE

BP prometeu ir "além" do óleo, mas se afogou nele

Indústria negligenciou contenção em profundidade, diz engenheiro

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Parece irônico que o desastre do golfo ameace levar à bancarrota justamente a BP. Afinal, a britânica foi a primeira petroleira a jurar que iria "além do petróleo".
Há uma década, numa iniciativa de marketing de US$ 200 milhões, a British Petroleum encurtou seu nome para a sigla atual e adotou o slogan "Beyond Petroleum".
A ideia era reconhecer que, sim, óleo e gás ainda eram necessários, mas eram coisa do passado: o futuro pertencia às energias renováveis, como a eólica e a solar.
O logo da empresa foi substituído por um ecológico girassol estilizado. E seu executivo-chefe, John Browne, chegou a se juntar com o Greenpeace em 2002 para pedir a George W. Bush que ratificasse o Protocolo de Kyoto.
Anos antes, a BP já se destacara das irmãs ao reconhecer que a mudança climática era real (enquanto a Exxon financiava ataques ao IPCC).
Mas, no chão, os atos da BP diziam outra coisa.
A empresa fez lobby pela perfuração do santuário ecológico do Alasca no mesmo ano em que mudava o logo. Em 2006, foi processada pelo vazamento de 1 milhão de litros de óleo na tundra.
Em 2008, o mesmo Greenpeace que fazia coro antibush com John Browne tentou entregar a seu sucessor, Tony Hayward, o troféu "Pincel de Esmeralda", por considerar a BP campeã da propaganda enganosa verde.
Apesar do discurso ambientalista, a BP investia só 1,39% de seus fundos em energia solar e 93% (US$ 20 bilhões) em óleo e gás.

SEM PLANO B
Aparentemente, nem um centavo desse dinheiro foi gasto no desenvolvimento de um método para conter vazamentos em águas profundas. E nisso a BP não está só.
"O estado da arte da indústria do petróleo não tem procedimentos para estancar um vazamento a 1.500 metros de profundidade", diz o engenheiro Segen Estefen, diretor de tecnologia e inovação da Coppe-UFRJ.
Isso vale também para a Petrobras. Depois do derrame de 2000 na baía da Guanabara, a empresa tem cuidado mais da segurança, diz Estefen. "Mas ela segue as tendências internacionais."
A Petrobras, ao se preparar para explorar o óleo do pré-sal em águas muito mais profundas que as do golfo, a até 2.500 metros, tem uma chance de se adiantar às "tendências" no quesito segurança.
Já a BP, se tivesse agido de acordo com o próprio marketing, não teria perdido um terço de seu valor de mercado. Talvez ainda ostentasse o epíteto "Beyond Petroleum" -hoje misteriosamente desaparecido de seu site.


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