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Ciência em Dia
Desgoverno na Amazônia
Marcelo Leite
editor de Ciência
A palavra "governança" é infeliz, um
desses neologismos produzidos pela novilíngua do circuito ONU-ONGs-Davos, mas ela designa o que está faltando na Amazônia: controle do poder público. Só o descontrole galopante parece
ser capaz de explicar os números preliminares de desmatamento para 2001-2002, mais de 25 mil quilômetros quadrados -um aumento de cerca de 40%
em relação ao período anterior.
Pense bem: isso corresponde a uma
área 16 vezes maior que a do município
de São Paulo, onde cabem 10 milhões de
pessoas. Se fosse possível imaginar uma
conurbação 16 vezes maior que a capital
paulista, a área destruída nos dois últimos anos do governo FHC poderia teoricamente conter quase toda a população
do Brasil.
Foi o segundo maior índice de desflorestamento na Amazônia Legal em 15
anos, desde que o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) iniciou o levantamento sistemático da destruição da
mata com base em imagens de satélite. O
recorde ainda está com o período 1994-1995, quando se foram 29 mil quilômetros quadrados -mas aqueles foram
anos de crescimento econômico, alimentado pelo entusiasmo do Plano Real.
Não foi decerto o caso de 2001-2002,
quando a macroeconomia já estava pagando o preço da crescente dependência
de capitais externos com desemprego e
depressão. O país continua fissurado por
dólares, e um dos poucos setores que
têm conseguido manter esse fluxo é o do
agronegócio, que internaliza moeda forte por meio da exportação de produtos
como soja e carne.
Há dúvidas, porém, quanto ao verdadeiro motor do desmatamento, se são as
grandes propriedades monocultoras, os
pequenos agricultores ou a exploração
madeireira. Provavelmente é uma combinação dos três, numa dinâmica amazônica que em geral se inicia com a exploração predatória da madeira. De todo
modo, as três atividades chegam no lombo da fronteira agrícola, que avança pela
região Centro-Oeste (devastando parte
do cerrado) em direção à Norte.
Seria uma besteira tentar barrar essa
expansão, mesmo porque o governo Lula deixou já evidente que conta com esses
dólares para insistir na ortodoxia econômica. Cabe porém ao governo federal zelar para que essa pressão antrópica (populacional) seja canalizada para aquelas
áreas em que o dano ambiental se mostre
administrável, e exigir que se cumpram
as exigências de lei.
Não faz muito tempo o Estado de Mato
Grosso foi saudado como exemplo de
avanços nesse campo da tal governança,
cujo governo (administração Dante de
Oliveira) havia criado um sistema de licenças para desmatamento fiscalizado
com imagens de satélite e sistemas de
geoprocessamento. O proprietário interessado em desmatar uma área dentro
do permitido por lei tinha de entregar
um arquivo digital com localização e perímetro exatos, e no ano seguinte o poder público podia conferir com novas
imagens de satélite se o desmatamento
ficara dentro dos limites licenciados.
Os ambientalistas se entusiasmaram
com a experiência e advogaram sua exportação para outros Estados da Amazônia. Hoje, com o choque da mudança no
plano federal, uma aguda dependência
de dólares na economia nacional e a eleição de um "rei da soja" (Blairo Maggi)
em Mato Grosso, é o caso de preparar-se
para a possibilidade de que a governança
esteja em franca marcha a ré na Amazônia -mesmo que no Ministério do Meio
Ambiente paire a figura respeitável de
Marina Silva.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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