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Micro/Macro
Brincando com a velocidade da luz
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Volta e meia eu recebo uma carta ou
um trabalho de algum leitor irritado
com a velocidade da luz. Afinal, se ela é
mesmo a velocidade máxima com que a
informação pode se propagar, ela também determina a causalidade na natureza, isto é, garante que a causa sempre
precede o efeito. Imagine a situação
oposta: um universo onde não exista
uma relação necessária de causa e efeito.
Nesse universo, seria possível que estivéssemos presentes no nosso nascimento, ou mesmo antes disso. Um paradoxo
perverso diz que, nesse universo, um
louco poderia voltar ao passado e matar
seu próprio pai, ainda garoto. Mas, se o
pai foi morto quando criança, como o
seu filho assassino pode existir?
Por trás dessa ansiedade toda, está escondida, entre outras coisas, uma versão
científica da mítica fonte da eterna juventude. Se pudéssemos controlar a causalidade, poderíamos viver para sempre.
Daí que muita gente -de cientistas trabalhando em laboratórios de ponta a
pessoas interessadas nessas questões por
meio de um enfoque mais, digamos, filosófico- vem tentando bater a velocidade da luz. Bem, segundo a teoria da relatividade, proposta por Einstein em 1905,
estabelecendo a relação entre causalidade e velocidade da luz, se um objeto tem
massa, é impossível acelerá-lo até a velocidade da luz. Quanto maior a velocidade do objeto, maior sua massa, até que,
ao chegar na velocidade da luz, sua massa fica infinitamente grande. E, para mover um objeto com massa infinita, precisamos de uma quantidade infinita de
energia. A conclusão é simples: nós não
vamos viajar a velocidades mais altas do
que a velocidade da luz. Mas por que não
a própria luz? Afinal, a única razão pela
qual a luz viaja na sua velocidade é porque ela não tem massa. Basta criar um tipo de luz que seja capaz de viajar mais rápido do que a luz.
Em meados de julho, cientistas trabalhando no laboratório NEC em Nova Jersey, nos EUA, anunciaram, para grande
espanto da comunidade científica e de
todos os que ouviram a notícia, que eles
haviam produzido pulsos de luz que viajaram mais rápido do que a velocidade
da luz! Para entender o que aconteceu,
devemos lembrar que a velocidade máxima da luz se dá no espaço vazio, ou vácuo, e é de 300 milhões de metros por segundo. Entretanto, em meios distintos,
como a água ou o ar, a luz se propaga
mais devagar. Recentemente, um grupo
da Universidade de Harvard criou o
equivalente a uma luz tartaruga, que se
propagou a alguns metros por segundo.
Mas bater a velocidade da luz no vácuo é
outra história.
Quando falamos em velocidade da luz,
estamos nos referindo a apenas uma onda eletromagnética com uma determinada frequência. Um "pulso" luminoso é
um objeto muito distinto, composto por
uma superposição de várias ondas luminosas, cada uma com uma frequência diferente. Quanto mais fino for o pulso,
maior o número de ondas que o compõem; a superposição de ondas diferentes determina o feitio do pulso luminoso.
Seu perfil é semelhante ao de um sino ou
uma montanha com um pico bem arredondado. Existem duas velocidades associadas ao movimento do pulso; a velocidade de seu pico é chamada velocidade
de grupo, e a velocidade de cada onda é a
velocidade de fase. No vácuo, as duas são
iguais, mas em meios absorventes ou
dispersivos elas podem ser diferentes.
Foi essa diferença que criou o efeito superluminal: um pulso luminoso atravessou um volume saturado com o elemento césio em forma gasosa; nesse meio,
certas frequências sofrem uma dispersão
anômala, mudando suas velocidades de
fase. Com isso, o formato do pulso é deformado de modo a "empurrá-lo" para a
frente. O resultado é uma velocidade de
grupo (ou do pico) mais rápida do que a
velocidade da luz no vácuo. De fato, o pico do pulso foi visto deixando o volume
antes de entrar! (Lembre-se do formato
de sino: o pico fica no meio do pulso.)
A velocidade superluminal foi a velocidade de grupo, ou do pico, do pulso; para
que o pico tivesse saído antes de entrar, a
parte frontal do pulso foi deformada radicalmente, "redesenhando" o formato
do pulso luminoso.
Não existiu violação de causalidade, já
que o efeito veio da reorganização das
ondas compondo o pulso. Por enquanto,
ainda vivemos em um universo onde a
causa precede o efeito.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hannover (EUA), e autor
do livro "Retalhos Cósmicos".
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