São Paulo, domingo, 06 de agosto de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Micro/Macro

Brincando com a velocidade da luz

Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Volta e meia eu recebo uma carta ou um trabalho de algum leitor irritado com a velocidade da luz. Afinal, se ela é mesmo a velocidade máxima com que a informação pode se propagar, ela também determina a causalidade na natureza, isto é, garante que a causa sempre precede o efeito. Imagine a situação oposta: um universo onde não exista uma relação necessária de causa e efeito. Nesse universo, seria possível que estivéssemos presentes no nosso nascimento, ou mesmo antes disso. Um paradoxo perverso diz que, nesse universo, um louco poderia voltar ao passado e matar seu próprio pai, ainda garoto. Mas, se o pai foi morto quando criança, como o seu filho assassino pode existir?
Por trás dessa ansiedade toda, está escondida, entre outras coisas, uma versão científica da mítica fonte da eterna juventude. Se pudéssemos controlar a causalidade, poderíamos viver para sempre. Daí que muita gente -de cientistas trabalhando em laboratórios de ponta a pessoas interessadas nessas questões por meio de um enfoque mais, digamos, filosófico- vem tentando bater a velocidade da luz. Bem, segundo a teoria da relatividade, proposta por Einstein em 1905, estabelecendo a relação entre causalidade e velocidade da luz, se um objeto tem massa, é impossível acelerá-lo até a velocidade da luz. Quanto maior a velocidade do objeto, maior sua massa, até que, ao chegar na velocidade da luz, sua massa fica infinitamente grande. E, para mover um objeto com massa infinita, precisamos de uma quantidade infinita de energia. A conclusão é simples: nós não vamos viajar a velocidades mais altas do que a velocidade da luz. Mas por que não a própria luz? Afinal, a única razão pela qual a luz viaja na sua velocidade é porque ela não tem massa. Basta criar um tipo de luz que seja capaz de viajar mais rápido do que a luz.
Em meados de julho, cientistas trabalhando no laboratório NEC em Nova Jersey, nos EUA, anunciaram, para grande espanto da comunidade científica e de todos os que ouviram a notícia, que eles haviam produzido pulsos de luz que viajaram mais rápido do que a velocidade da luz! Para entender o que aconteceu, devemos lembrar que a velocidade máxima da luz se dá no espaço vazio, ou vácuo, e é de 300 milhões de metros por segundo. Entretanto, em meios distintos, como a água ou o ar, a luz se propaga mais devagar. Recentemente, um grupo da Universidade de Harvard criou o equivalente a uma luz tartaruga, que se propagou a alguns metros por segundo. Mas bater a velocidade da luz no vácuo é outra história.
Quando falamos em velocidade da luz, estamos nos referindo a apenas uma onda eletromagnética com uma determinada frequência. Um "pulso" luminoso é um objeto muito distinto, composto por uma superposição de várias ondas luminosas, cada uma com uma frequência diferente. Quanto mais fino for o pulso, maior o número de ondas que o compõem; a superposição de ondas diferentes determina o feitio do pulso luminoso. Seu perfil é semelhante ao de um sino ou uma montanha com um pico bem arredondado. Existem duas velocidades associadas ao movimento do pulso; a velocidade de seu pico é chamada velocidade de grupo, e a velocidade de cada onda é a velocidade de fase. No vácuo, as duas são iguais, mas em meios absorventes ou dispersivos elas podem ser diferentes. Foi essa diferença que criou o efeito superluminal: um pulso luminoso atravessou um volume saturado com o elemento césio em forma gasosa; nesse meio, certas frequências sofrem uma dispersão anômala, mudando suas velocidades de fase. Com isso, o formato do pulso é deformado de modo a "empurrá-lo" para a frente. O resultado é uma velocidade de grupo (ou do pico) mais rápida do que a velocidade da luz no vácuo. De fato, o pico do pulso foi visto deixando o volume antes de entrar! (Lembre-se do formato de sino: o pico fica no meio do pulso.)
A velocidade superluminal foi a velocidade de grupo, ou do pico, do pulso; para que o pico tivesse saído antes de entrar, a parte frontal do pulso foi deformada radicalmente, "redesenhando" o formato do pulso luminoso.
Não existiu violação de causalidade, já que o efeito veio da reorganização das ondas compondo o pulso. Por enquanto, ainda vivemos em um universo onde a causa precede o efeito.


Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hannover (EUA), e autor do livro "Retalhos Cósmicos".


Texto Anterior: Em breve
Próximo Texto: Periscópio - José Reis: Alga formada por duas
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.