São Paulo, sábado, 06 de agosto de 2005

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POLÍTICA CIENTÍFICA

Sede de projeto em Uberaba tem irregularidades em obra de US$ 2,1 mi; responsável nega improbidade

Promotor investiga rede de paleontologia

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério Público de Minas Gerais está investigando irregularidades na construção da sede da Rede Nacional de Pesquisa Científica em Paleontologia, um dos maiores projetos já criados no país para apoiar o estudo dos seres vivos fósseis. O próprio arquiteto que projetou a obra notou que ocorreram modificações significativas na estrutura e nos materiais utilizados, por razões que ainda precisam ser aclaradas -e que poderiam estar ligadas a desvio de recursos públicos.
Em princípio, por ter passado por licitação, a obra não poderia ter sofrido tais mudanças. A sede está sendo construída em Peirópolis, distrito rural de Uberaba, no interior mineiro, perto de sítios famosos pela presença de crocodilos e dinossauros do Cretáceo (de 90 milhões de anos).
Dos US$ 6,1 milhões que o governo deve destinar para a rede, mais de 2 milhões deverão ir para a construção da sede, dos quais R$ 580 mil já foram gastos. A Sectes (Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas), responsável pela obra, nega as irregularidades e diz que as alterações foram feitas para economizar (leia texto à direita).
Marcondes Nunes de Freitas, arquiteto de Uberaba que assina o projeto da obra ao lado de Maria Elisa Costa e Marcelo Suzuki, conta que visitou a obra a convite da própria empresa vencedora da licitação, a Sabre Engenharia, no começo do mês passado. "Perguntei ao engenheiro da obra com que direito eles haviam alterado a concepção", disse Freitas à Folha. Segundo ele, as próprias pranchas com o desenho do projeto tinham sido mudadas: em vez de cinco pranchas, como o previsto, foram apresentadas apenas três.
"Das pranchas que faltam, uma se referia à cobertura do prédio e a outra à concepção estrutural", afirma Freitas. No segundo caso, o arquiteto diz que foram utilizadas treliças metálicas, e não vigas metálicas, o que poderia se converter numa redução substancial dos custos -embora não esteja claro o que foi feito com o dinheiro assim economizado.
Freitas comunicou o Ministério Público sobre as mudanças por meio de uma representação. Laércio Conceição Lima, da 5ª Promotoria de Justiça (Defesa do Patrimônio Público), disse à Folha que está recolhendo documentação sobre o caso. "A modificação existe realmente, houve uma mudança substancial na cobertura", afirma Lima. "Era para ter sido uma obra artística, mas o que foi criado é um grande galpão."

Antes ou depois
A investigação do promotor pretende descobrir se as modificações foram idealizadas antes ou depois da licitação (informações obtidas com a Sectes indicam a segunda opção). Segundo ele, a ocorrência de licitação impede que essas alterações fossem feitas livremente depois que a obra foi licitada. "Isso consolidaria a irregularidade. Se houve mudança, há a possibilidade de que ela tenha sido feita para desviar recurso público, para que houvesse sobra", afirma. O promotor espera concluir a análise até a metade do mês. Caso as suspeitas se confirmem, uma ação civil pública poderá ser instaurada.
Do ponto de vista científico, a situação da rede de paleontologia continua empacada. Apesar dos recursos volumosos, vários pesquisadores da área no Brasil reclamaram da criação da rede. É que pouquíssimos foram consultados antes de seu anúncio, no fim do ano passado. Ficou acertado que os objetivos de pesquisa da rede seriam postos em discussão entre a comunidade, mas isso ainda não ocorreu -nem tem data para ocorrer, lamenta Renata Guimarães Netto, presidente da Sociedade Brasileira de Paleontologia.
"Digo de antemão que isso é uma pena. Chega a parecer que não há interesse em discutir o tema", diz a pesquisadora. Ela criticou a visão de Diógenes de Almeida Campos, do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), coordenador técnico da rede. Segundo ele, a instituição foi criada para proteger o patrimônio fossilífero, e não para financiar pesquisas -esse seria o papel que os órgãos federais e estaduais de fomento já desempenham.
"Da maneira como ele colocou, não acho que a idéia esteja errada. Podemos fazer muito para proteger não só os sítios como também as coleções de museus. Mas sabemos como é pouco o dinheiro para pesquisa", afirma Netto. "De fato, quanto mais dinheiro para pesquisa, melhor", diz Campos.

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