São Paulo, quinta-feira, 06 de outubro de 2005

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QUÍMICA

Descoberta do funcionamento de catalisadores em reações orgânicas impulsiona indústria de plásticos e farmacêutica

Dança de moléculas rende Nobel para trio

REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma dança molecular que mais parece uma quadrilha deu ontem o Prêmio Nobel em Química para um trio de pesquisadores, um francês e dois americanos. O balé de átomos desvendado pelos três está permitindo a criação rápida, econômica e limpa de um batalhão de moléculas inovadoras, úteis em áreas que vão dos plásticos à indústria farmacêutica.
Entre os especialistas, a dança de moléculas elucidada pelo francês Yves Chauvin, 74, e aperfeiçoada pelos americanos Richard Schrock, 60, e Robert Grubbs, 63, atende pelo nome de metátese (algo como "troca de lugares", em grego). "Antes deles, as pessoas até faziam essas reações, mas elas eram uma espécie de caixa-preta", conta Ronaldo Pilli, do Departamento de Química Orgânica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Com as descobertas do trio, os cientistas passaram a saber como a metátese em moléculas orgânicas acontecia e, principalmente, como controlá-la. Assim, não é impossível imaginar o dia em que a técnica, além de produzir moléculas desconhecidas e potencialmente úteis, também não deixará resíduos. Por tudo isso, o comitê da Academia Real de Ciências da Suécia deixou a sobriedade de lado e deu uma exagerada em seu comunicado oficial: "Logo, a imaginação será o único limite para a construção de moléculas!"

Festa e mau humor
Se havia alguém com ânimo justamente oposto a esse entusiasmo ontem, era o mais sênior dos vencedores. Pouco depois do anúncio do prêmio, Chauvin comentou, de mau humor: "O pessoal de Estocolmo tinha me desejado boa sorte com a imprensa, e acabo de entender o que eles queriam dizer". Irritado com a o enxame de repórteres em sua casa, na cidade de Tours, o cientista do Instituto Francês do Petróleo explodiu:
"Foram necessários 30 anos de trabalho no laboratório para mostrar que o que eu descobri era interessante. Hoje eu vivo sozinho, e os meus pensamentos vão para a minha mulher, que morreu há pouco mais de um ano. Estou fechando a minha porta e tentarei não ser mais incomodado", disse Chauvin, pedindo que os jornalistas se retirassem.
Schrock, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), e Grubbs, do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), parecem ter recebido melhor a notícia. "Não estou conseguindo falar muito bem. Tinha acabado de acordar e estava começando a tomar café [quando soube do prêmio]. Achei que não era possível que fosse verdade, mas era", disse Schrock à Rádio Sueca. À Folha, Grubbs ressaltou que as pesquisas na área começaram de forma desinteressada, na tentativa de entender o mecanismo básico das reações.

Inovadores
"O método catalítico que eles desenvolveram foi totalmente inovador", diz Ronaldo Pilli. O centro da idéia são os chamados catalisadores -moléculas que aceleram e auxiliam reações químicas, sem participarem diretamente delas. Nas reações de metátese de alcenos (cadeias formadas por átomos de carbono com ligações duplas entre si), que são as que renderam o Nobel, ocorre sempre a troca de um pedaço de uma molécula por outro na molécula vizinha, e vice-versa.
Esse processo é que era a tal caixa-preta citada pelo pesquisador da Unicamp. Chauvin propôs que o catalisador da reação era um metal-carbeno (um átomo de um elemento químico metálico grudado aos tais carbonos de ligação dupla). O francês descobriu que, na verdade, o catalisador "desfazia o par" formado por uma das moléculas e se unia a elas, formando um quarteto. Depois, o conjunto se desfazia e o catalisador entregava parte da molécula original a um novo "parceiro".
Uma vez desvendado esse mecanismo, o processo deu um salto tremendo. "O Schrock desenvolveu o primeiro catalisador prático, que usava [o metal] molibdênio, e o Grubbs criou o que todo mundo usa hoje, com base em rutênio", afirma Pilli. O importante é que as criações de Grubbs são relativamente pouco exigentes quanto a condições ambientais, o que facilita muito seu uso no laboratório e na indústria química.
Segundo o pesquisador da Unicamp, as vantagens econômicas do método se unem às ambientais: perto de outros sistemas para sintetizar compostos orgânicos, a metátese deixa relativamente poucos subprodutos. Além de tornar a reação mais eficiente, isso também diminui a quantidade de poluentes. "O subproduto costuma ser o etileno, que tem impacto relativamente pequeno no ambiente", afirma o cientista.
A lista dos compostos que podem ser produzidos com a técnica não pára de crescer. Apesar de ser usada inicialmente na indústria petroquímica, a metátese já está se espalhando para a fabricação de fármacos e herbicidas. Ela também já foi utilizada para produzir feromônios -os sinalizadores moleculares que os insetos e outros animais utilizam.


Com agências internacionais


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