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A EVOLUÇÃO DE UM CIENTISTA
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A RIBEIRÃO PRETO
Do alto de seu 1,96 metro,
Max Langer dá uma gargalhada quando lhe pergunto
como é ser um dos únicos
cinco especialistas do mundo em
origem dos dinossauros. "E quem
são os outros quatro?" -indaga.
Aos 32 anos, Langer coordena sozinho o laboratório de paleontologia
da USP de Ribeirão Preto, onde leciona desde os 28. O local ocupa
quatro salas de um dos blocos do
Departamento de Biologia, que o
pesquisador divide com cinco alunos, gavetas cheias de fósseis e Alice
-uma pirambóia que mora num
aquário sujo, lembrança de uma
pesquisa anterior sobre peixes com
pulmão. Na janela, um adesivo conclama eventuais revolucionários a
reunificar o continente Gonduana.
Além da chefia do laboratório,
Langer acumula em seu currículo
quase duas dezenas de publicações
científicas, em periódicos como o
britânico "Proceedings of the Royal
Society", a "Paleontology" (uma das
duas principais revistas da área) e o
francês "Comptes Rendus de L'Academie de Sciences".
No ano passado, o varapau da USP
ganhou estatura também intelectual: foi autor de um capítulo do livro "The Dinosauria", principal publicação do mundo para os especialistas nesses répteis. E financeira,
com uma verba de R$ 700 mil da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para
estudar os fósseis do Período Cretáceo (70 milhões de anos atrás) do Estado de São Paulo, juntamente com
Hussam Zaher, do Museu de Zoologia da USP em São Paulo.
Mas o que lançou o cientista à fama em seu campo de pesquisa foi algo que ele chama de "golpe de sorte": a descoberta, em 1998, dos fósseis do Saturnalia tupiniquim, um
dos quatro dinossauros mais antigos
do mundo, em um barranco de Santa Maria (RS). O achado do Saturnalia e os estudos que se seguiram a
ele, desenvolvidos por Langer na
Universidade de Bristol, Reino Unido, estão sacudindo a árvore genealógica dos dinos. Como arremate,
ele hoje trabalha na descrição de outro fóssil gaúcho espetacular, que
deve trazer mais evidências de que
os dinossauros surgiram na América do Sul, entre Brasil e Argentina.
É difícil escapar à tentação de dizer
que a ligação de Langer com tesouros do subsolo vem de berço. Seu
pai, o geólogo Ernst Oskar Langer,
veio da Alemanha para trabalhar
numa mina de níquel em Pratápolis,
cidade de 5.000 habitantes na região
sul de Minas Gerais (hoje, uma praça de Pratápolis ostenta um monumento ao Saturnalia). "Eu nasci
dentro do terreno da mineradora",
conta. "E sempre fui um "dinonerd".
Eu tinha um livro de dinossauros...
quer dizer, eu tenho um livro de dinossauros" (interrompe a entrevista
para procurar o volume).
Surpreendentemente, a recomendação do pai na época do vestibular
foi para que Max fizesse ecologia,
não geologia. "Ele achava que era a
profissão do futuro. Então fui fazer
ecologia na Unesp de Rio Claro."
O sonho do velho Langer de ter um
filho ecólogo, no entanto, foi rapidamente desfeito em Rio Claro por
Reinaldo José Bertini, professor de
paleontologia da Unesp. "Até então
eu nem sonhava que pudesse ser paleontólogo. No segundo ano de faculdade eu conheci o Bertini e me
dei conta de que era possível mexer
com evolução sem fazer genética."
Após a graduação, Bertini empurrou o aluno para um mestrado no
Rio Grande do Sul, Estado que guarda alguns dos melhores depósitos
fossilíferos do país. Lá o Saturnalia
foi descoberto, o que carimbou o
passaporte de Langer para um doutorado em Bristol sob supervisão de
Michael Benton, um dos maiores estudiosos de evolução dos vertebrados do planeta.
No Reino Unido, Langer protagonizou um segundo golpe de sorte
-que, na verdade, começou com
um constrangimento. "O Mike
[Benton] me disse para levar os fósseis para a Inglaterra e me prometeu
que haveria uma pessoa lá para prepará-los [separar os ossos da matriz
de rocha]. Quando cheguei , descobri que o preparador era eu."
Ao se negar à tarefa braçal, Langer
perdeu a oportunidade de cumprir
seu objetivo primário, de fazer a descrição completa de um dos fósseis de
dinossauro mais importantes do
mundo -o Saturnalia é ancestral
de todos os gigantes pescoçudos, como o célebre brontossauro. (Uma
descrição parcial acabou publicada
numa revista francesa, após ter sido
rejeitada pela "Science" -"um dos
revisores do trabalho disse que não
havia rochas do Triássico em Santa
Maria", conta Langer).
Mas acabou se vendo forçado a
mergulhar nos estudos sobre a origem e diversidade dos dinossauros
no Período Triássico, tarefa que o levou a examinar fósseis dos mais antigos desses animais em museus do
mundo todo e a propor um novo arranjo para a base da árvore dessa família -que, aos poucos, vem sendo
aceito pela comunidade científica.
"Os dinossauros começam no
Triássico com uma diversidade extremamente baixa. Dez milhões de
anos depois, já são o grupo de vertebrados terrestres dominante no planeta. Meu interesse é descobrir o que
aconteceu durante essa radiação inicial", resume. "Minha idéia é me firmar como referência no estudo desses dinossauros primitivos", pontifica, com uma admitida e justificada
megalomania de quem nasceu no
dia 7 de setembro e "sempre achava
que o desfile de fanfarras era por
causa do meu aniversário".
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