São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A EVOLUÇÃO DE UM CIENTISTA

CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A RIBEIRÃO PRETO

Do alto de seu 1,96 metro, Max Langer dá uma gargalhada quando lhe pergunto como é ser um dos únicos cinco especialistas do mundo em origem dos dinossauros. "E quem são os outros quatro?" -indaga.
Aos 32 anos, Langer coordena sozinho o laboratório de paleontologia da USP de Ribeirão Preto, onde leciona desde os 28. O local ocupa quatro salas de um dos blocos do Departamento de Biologia, que o pesquisador divide com cinco alunos, gavetas cheias de fósseis e Alice -uma pirambóia que mora num aquário sujo, lembrança de uma pesquisa anterior sobre peixes com pulmão. Na janela, um adesivo conclama eventuais revolucionários a reunificar o continente Gonduana.
Além da chefia do laboratório, Langer acumula em seu currículo quase duas dezenas de publicações científicas, em periódicos como o britânico "Proceedings of the Royal Society", a "Paleontology" (uma das duas principais revistas da área) e o francês "Comptes Rendus de L'Academie de Sciences".
No ano passado, o varapau da USP ganhou estatura também intelectual: foi autor de um capítulo do livro "The Dinosauria", principal publicação do mundo para os especialistas nesses répteis. E financeira, com uma verba de R$ 700 mil da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para estudar os fósseis do Período Cretáceo (70 milhões de anos atrás) do Estado de São Paulo, juntamente com Hussam Zaher, do Museu de Zoologia da USP em São Paulo.
Mas o que lançou o cientista à fama em seu campo de pesquisa foi algo que ele chama de "golpe de sorte": a descoberta, em 1998, dos fósseis do Saturnalia tupiniquim, um dos quatro dinossauros mais antigos do mundo, em um barranco de Santa Maria (RS). O achado do Saturnalia e os estudos que se seguiram a ele, desenvolvidos por Langer na Universidade de Bristol, Reino Unido, estão sacudindo a árvore genealógica dos dinos. Como arremate, ele hoje trabalha na descrição de outro fóssil gaúcho espetacular, que deve trazer mais evidências de que os dinossauros surgiram na América do Sul, entre Brasil e Argentina.
É difícil escapar à tentação de dizer que a ligação de Langer com tesouros do subsolo vem de berço. Seu pai, o geólogo Ernst Oskar Langer, veio da Alemanha para trabalhar numa mina de níquel em Pratápolis, cidade de 5.000 habitantes na região sul de Minas Gerais (hoje, uma praça de Pratápolis ostenta um monumento ao Saturnalia). "Eu nasci dentro do terreno da mineradora", conta. "E sempre fui um "dinonerd". Eu tinha um livro de dinossauros... quer dizer, eu tenho um livro de dinossauros" (interrompe a entrevista para procurar o volume).
Surpreendentemente, a recomendação do pai na época do vestibular foi para que Max fizesse ecologia, não geologia. "Ele achava que era a profissão do futuro. Então fui fazer ecologia na Unesp de Rio Claro."
O sonho do velho Langer de ter um filho ecólogo, no entanto, foi rapidamente desfeito em Rio Claro por Reinaldo José Bertini, professor de paleontologia da Unesp. "Até então eu nem sonhava que pudesse ser paleontólogo. No segundo ano de faculdade eu conheci o Bertini e me dei conta de que era possível mexer com evolução sem fazer genética."
Após a graduação, Bertini empurrou o aluno para um mestrado no Rio Grande do Sul, Estado que guarda alguns dos melhores depósitos fossilíferos do país. Lá o Saturnalia foi descoberto, o que carimbou o passaporte de Langer para um doutorado em Bristol sob supervisão de Michael Benton, um dos maiores estudiosos de evolução dos vertebrados do planeta.
No Reino Unido, Langer protagonizou um segundo golpe de sorte -que, na verdade, começou com um constrangimento. "O Mike [Benton] me disse para levar os fósseis para a Inglaterra e me prometeu que haveria uma pessoa lá para prepará-los [separar os ossos da matriz de rocha]. Quando cheguei , descobri que o preparador era eu."
Ao se negar à tarefa braçal, Langer perdeu a oportunidade de cumprir seu objetivo primário, de fazer a descrição completa de um dos fósseis de dinossauro mais importantes do mundo -o Saturnalia é ancestral de todos os gigantes pescoçudos, como o célebre brontossauro. (Uma descrição parcial acabou publicada numa revista francesa, após ter sido rejeitada pela "Science" -"um dos revisores do trabalho disse que não havia rochas do Triássico em Santa Maria", conta Langer).
Mas acabou se vendo forçado a mergulhar nos estudos sobre a origem e diversidade dos dinossauros no Período Triássico, tarefa que o levou a examinar fósseis dos mais antigos desses animais em museus do mundo todo e a propor um novo arranjo para a base da árvore dessa família -que, aos poucos, vem sendo aceito pela comunidade científica.
"Os dinossauros começam no Triássico com uma diversidade extremamente baixa. Dez milhões de anos depois, já são o grupo de vertebrados terrestres dominante no planeta. Meu interesse é descobrir o que aconteceu durante essa radiação inicial", resume. "Minha idéia é me firmar como referência no estudo desses dinossauros primitivos", pontifica, com uma admitida e justificada megalomania de quem nasceu no dia 7 de setembro e "sempre achava que o desfile de fanfarras era por causa do meu aniversário".


Texto Anterior: Raio-X
Próximo Texto: Raio-X
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.