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CIÊNCIA
Carlos Chagas teve quatro indicações ao prêmio
máximo da medicina
O Nobel perdido
MARÍLIA COUTINHO
especial para a Folha
O cientista brasileiro Carlos
Chagas (1878-1934) foi indicado
quatro vezes para o Prêmio Nobel
de Medicina e Fisiologia. Essa informação, com 85 anos de atraso,
é peça de um enigma difícil de entender: por que, quando os contemporâneos europeus de Chagas
com descobertas da mesma natureza eram laureados, o Nobel foi
negado ao descobridor de uma das
doenças parasitárias que mais afligem o continente americano?
As quatro indicações de Chagas
ao Nobel foram confirmadas por
Nils Ringertz, secretário da Comissão Nobel para Fisiologia e
Medicina, do Instituto Karolinska, em Estocolmo, na Suécia.
A indicação de Chagas ao Nobel
de 1921 foi examinada por Gunnar
Hedén, que "aparentemente" fez
um relatório oral à comissão. Nada consta quanto à indicação de
1913. Nesse ano, Charles R. Richet
levou o prêmio em reconhecimento ao seu trabalho de descoberta
da reação anafilática, em que um
organismo reage à injeção na corrente sanguínea de uma determinada proteína.
Em 1921, não houve laureado.
Comentando a nomeação de que
tinha conhecimento, de 1921, o
historiador Sierra Iglesias afirma
que o instituto sueco se dirigiu a
organismos brasileiros, que desaconselharam a premiação, mas
não menciona as fontes (1).
Segundo João Carlos Pinto Dias,
pesquisador da Fiocruz (Fundação Instituto Oswaldo Cruz), no
Rio de Janeiro, não há, nos arquivos de Manguinhos ou com a família de Chagas, nenhum documento sobre o caso (2).
A primeira indicação oficial, datada de 1º de janeiro de 1913, foi de
Pirajá da Silva. A segunda, de 21 de
dezembro de 1920, foi feita por H.
de Gouvêa. Foram feitas duas outras indicações não-oficiais, segundo Ringertz.
A descoberta da doença
Há 90 anos, Chagas apresentou à
comunidade científica e médica
um pacote de novidades: um novo
parasita (o protozoário Trypanosoma cruzi), transmitido por um
inseto hematófago (que se alimenta de sangue) a diferentes vertebrados, e uma série de sintomas
associados à infecção humana daquele protozoário.
Chagas acabava de "inventar"
uma nova doença tropical, a tripanossomíase americana, batizada
depois de doença de Chagas. Reconhecido imediatamente no Brasil e no mundo, Chagas recebeu
prêmios e honrarias.
Em 1912, Chagas ganhou o Prêmio Schaudinn, conferido a cada
quatro anos pelo Instituto de
Doenças Tropicais de Hamburgo
(Alemanha) à mais significativa
contribuição em protozoologia.
Os concorrentes de Chagas eram
Ehrlich, Roux, Metchnikoff, Laveran, Nicolle e Leishman. Laveran
ganhou o Nobel em 1907, Ehrlich e
Metchnikoff foram laureados em
1908 e Nicolle, em 1928. Os membros da comissão julgadora eram
outras tantas celebridades, que incluíam Koch (Nobel em 1905),
Ross (Nobel em 1902) e Golgi (Nobel em 1906).
De 1912 até praticamente sua
morte, Chagas recebeu convites e
honrarias de muitas instituições
estrangeiras.
Mas, se no exterior a receptividade a Chagas foi grande, no Brasil a relação da comunidade médica e científica com a descoberta e
seu descobridor foi sempre ambivalente: não há dúvidas de que
houve muita euforia no momento
em que a descoberta foi divulgada.
Em 1910, Chagas foi aclamado
membro titular da Academia Nacional de Medicina e foi escolhido
para ocupar um cargo de chefia no
Instituto Soroterápico de Manguinhos. Depois que Oswaldo Cruz
morreu, em fevereiro de 1917,
Chagas herdou a diretoria do instituto. Em 1920, quando foi criado
o Departamento de Saúde Pública,
Chagas foi nomeado seu primeiro
diretor, acumulando cargos.
O prestígio de Chagas tanto na
medicina experimental como na
saúde pública parecem evidentes.
No entanto, existiu desde muito
cedo um grupo de descontentes.
O "grupo anti-Chagas"
Cada novo cargo, honraria ou
indicação no Brasil reforçava o
"grupo anti-Chagas". Não gostavam das idéias de Chagas, dos critérios de mérito que ele e Oswaldo
Cruz instituíram, das relações de
Chagas com instituições estrangeiras e nem da sua condução dos
negócios da saúde pública.
Quando o Departamento de
Saúde Pública foi criado, o poderoso Afrânio Peixoto tinha a pretensão de dirigi-lo. Com a nomeação de Chagas, Afrânio tornou-se
o mais virulento inimigo do descobridor da tripanossomíase.
Foi Afrânio Peixoto quem, dois
anos depois, abriu a chamada
"disputa da Academia Nacional
de Medicina", em que acusações
sérias foram feitas em reunião daquela casa em novembro de 1922.
Chagas solicitou que uma comissão julgasse as acusações que
lhe faziam: a de que a doença não
era consistente, de que ela não tinha relevância epidemiológica e
de que ele próprio não seria nem
mesmo o seu descobridor, cabendo o título a Oswaldo Cruz.
A comissão trabalhou de forma
turbulenta, de 1922 a 1923. Finalmente, em 6 de dezembro de 1923,
a comissão concluiu favoravelmente a Chagas.
O desprestígio da descoberta
Depois da disputa da academia,
a doença de Chagas caiu no esquecimento: não foi mais discutida e
foi pouco pesquisada. Sumiu dos
currículos médicos e não foi mais
diagnosticada nos hospitais.
Só depois da morte de Chagas,
em 1934, é que um vigoroso movimento de restauração do interesse
na doença vingou. A partir daí,
milhares de novos casos foram
diagnosticados e o alcance epidemiológico da doença pôde ser
compreendido.
A pesquisa cresceu e gerou claros casos de sucesso científico tanto no controle da doença, em clínica e, mais recentemente, em
biologia molecular.
Talvez jamais saibamos exatamente o que impediu que Chagas
viesse a ser o primeiro brasileiro a
ganhar o Prêmio Nobel. Só o que
sabemos é que nenhum brasileiro
esteve tão perto dele.
Notas:
1. Salvador Mazza - su vida y su obra -
redescobridor de la enfermedad de Chagas. J. P. Sierra-Iglesias. 1990. San Salvador de Jujuy, Universidad Nacional de Jujuy, 527 p.
2. "Carlos Chagas: Prêmio Nobel em
1921". João Carlos Pinto Dias. Conferência
Nacional de Saúde On Line. (http://www.datasus.gov.br/cns/documentos/Chagas.htm
Marília Coutinho é pesquisadora associada do
Departamento de Relações Internacionais da
UnB (Universidade de Brasília) e pesquisadora
visitante do Centro de Estudos Latino-americanos da Universidade da Flórida, em Gainesville (EUA)
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