São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2008

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Voto não abre via para o aborto, diz Britto

Relator da ação contra o uso de células-tronco embrionárias no STF diz que igreja "minimiza" papel da mulher na criação

Para juiz, o embrião in vitro, "na gélida solidão do seu confinamento", não tem condição de evoluir para formar uma vida nova

Lula Marques - 05.mar.2008/Folha Imagem
O ministro Carlos Ayres Britto, que votou no Supremo a favor das pesquisas com células-tronco


SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Ayres Britto disse ontem que a Igreja Católica e os cientistas que estão do lado dela na tentativa de impedir o uso de células-tronco de embriões humanos em pesquisas científicas "minimizam o papel da mulher" no processo de criação e supervalorizam o papel do embrião. Para ele, essa relação é inversa. "O embrião fertilizado in vitro, entregue a si mesmo, na gélida solidão do seu confinamento, não tem a menor condição de evoluir para a formação de uma vida virginalmente nova", afirmou. "A mulher e o útero cumprem uma função de destaque na criação." Em entrevista à Folha, o relator da ação direta de inconstitucionalidade contra o artigo da Lei de Biossegurança que autorizou essa linha de pesquisa explicou o seu voto, favorável à utilização de células embrionárias -e negou que tenha aberto caminho para a futura legalização do aborto. O julgamento da ação, iniciado anteontem no Supremo, foi adiado por um pedido de vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito -que não quis dar entrevista.

 

FOLHA - Qual é a sua avaliação sobre o início do julgamento?
CARLOS AYRES BRITTO -
Havia uma certa desinformação sobre a natureza do embrião fertilizado in vitro. Ontem [anteontem], todos nós contribuímos para um aclaramento do assunto. Por isso afirmei que no caso do embrião in vitro não há gravidez, não há nascituro. O embrião in vitro nem sai do corpo da mulher nem entra nele a posteriori.
Discordo da comparação que o Ives [Gandra Martins, advogado da CNBB] fez entre o embrião humano e o ovo da tartaruga [protegido por legislação ambiental]. O ovo da tartaruga saiu do corpo da mãe, já com todas as suas características genéticas. Ao passo que o que saiu da mulher não foi um embrião, foi um ovo singelo, sem fecundação. As características genéticas vêm com a fecundação, mas no caso ela não se deu no corpo da mulher.
Essas noções servem também para os leigos, para perceber que não há aborto, não há assassinato. O embrião in vitro, entregue a si mesmo, na gélida solidão do seu confinamento, não tem a menor condição de evoluir para a formação de uma vida virginalmente nova. Além disso, fiquei muito feliz em constatar que o direito brasileiro está do lado dos que sofrem, não do sofrimento.

FOLHA - O senhor parece ter avançado na tese sobre a inexistência de vida do embrião fora do útero para afirmar que a vida humana começa no nascimento.
BRITTO -
O que eu disse é que a vida já adornada com a personalidade civil, que é uma personalidade biográfica, relacional, moral, espiritual, é um fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte.

FOLHA - O seu voto não abre caminho para a futura legalização do aborto no país?
BRITTO -
Não. Não tive a menor preocupação de entrar nesse campo de discussão. Eu quis exaltar a mulher, porque a igreja e os cientistas que estão do lado dela minimizam o papel da mulher, mesmo durante a gravidez, dizendo que a liderança do processo de hominização é do embrião. Ele evoluiria por si mesmo, e o útero não passaria de um ambiente, de um ninho.
Aí eu inverto. O papel de liderança nesse processo de hominização é do útero. Chego a fazer uma diferença entre gravidez e maternidade. A gravidez é uma coisa da natureza. Maternidade é subjetiva, do ser humano. Quis mostrar isto: que não há gravidez por controle remoto; se toda gravidez começa com embrião, nem todo embrião desencadeia a gravidez; se todo nascituro pressupõe um embrião, nem todo embrião pressupõe o nascituro. Esses jogos de palavra tiveram uma intenção: exaltar a mulher.
O direito e a natureza tratam a mulher de modo honroso. A natureza coloca a mulher em posição de liderança. A mulher e o útero cumprem uma função de destaque na criação, não o embrião.

FOLHA - Qual é a sua opinião sobre o aborto?
BRITTO -
Admito nas duas hipóteses previstas no Código Penal. Até cheguei a dizer que, se o embrião ou o feto, dependendo da fase, já fossem pessoa, então o código seria inconstitucional, porque estaria autorizando matar uma pessoa em caso de estupro ou de risco para a vida da mulher.


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