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Voto não abre via para o aborto, diz Britto
Relator da ação contra o uso de células-tronco embrionárias no STF diz que igreja "minimiza" papel da mulher na criação
Para juiz, o embrião in vitro, "na gélida solidão do seu confinamento", não tem condição de evoluir para formar uma vida nova
Lula Marques - 05.mar.2008/Folha Imagem
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O ministro Carlos Ayres Britto, que votou no Supremo a favor das pesquisas com células-tronco |
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro do STF (Supremo
Tribunal Federal) Carlos Ayres
Britto disse ontem que a Igreja
Católica e os cientistas que estão do lado dela na tentativa de
impedir o uso de células-tronco
de embriões humanos em pesquisas científicas "minimizam
o papel da mulher" no processo
de criação e supervalorizam o
papel do embrião.
Para ele, essa relação é inversa. "O embrião fertilizado in vitro, entregue a si mesmo, na gélida solidão do seu confinamento, não tem a menor condição de evoluir para a formação
de uma vida virginalmente nova", afirmou. "A mulher e o útero cumprem uma função de
destaque na criação."
Em entrevista à Folha, o relator da ação direta de inconstitucionalidade contra o artigo
da Lei de Biossegurança que
autorizou essa linha de pesquisa explicou o seu voto, favorável à utilização de células embrionárias -e negou que tenha
aberto caminho para a futura
legalização do aborto.
O julgamento da ação, iniciado anteontem no Supremo, foi
adiado por um pedido de vista
do ministro Carlos Alberto Menezes Direito -que não quis
dar entrevista.
FOLHA - Qual é a sua avaliação sobre o início do julgamento?
CARLOS AYRES BRITTO - Havia uma
certa desinformação sobre a
natureza do embrião fertilizado in vitro. Ontem [anteontem], todos nós contribuímos
para um aclaramento do assunto. Por isso afirmei que no caso
do embrião in vitro não há gravidez, não há nascituro. O embrião in vitro nem sai do corpo
da mulher nem entra nele a
posteriori.
Discordo da comparação que
o Ives [Gandra Martins, advogado da CNBB] fez entre o embrião humano e o ovo da tartaruga [protegido por legislação
ambiental]. O ovo da tartaruga
saiu do corpo da mãe, já com todas as suas características genéticas. Ao passo que o que saiu
da mulher não foi um embrião,
foi um ovo singelo, sem fecundação. As características genéticas vêm com a fecundação,
mas no caso ela não se deu no
corpo da mulher.
Essas noções servem também para os leigos, para perceber que não há aborto, não há
assassinato. O embrião in vitro,
entregue a si mesmo, na gélida
solidão do seu confinamento,
não tem a menor condição de
evoluir para a formação de uma
vida virginalmente nova. Além
disso, fiquei muito feliz em
constatar que o direito brasileiro está do lado dos que sofrem,
não do sofrimento.
FOLHA - O senhor parece ter avançado na tese sobre a inexistência de
vida do embrião fora do útero para
afirmar que a vida humana começa
no nascimento.
BRITTO - O que eu disse é que a
vida já adornada com a personalidade civil, que é uma personalidade biográfica, relacional,
moral, espiritual, é um fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte.
FOLHA - O seu voto não abre caminho para a futura legalização do
aborto no país?
BRITTO - Não. Não tive a menor
preocupação de entrar nesse
campo de discussão. Eu quis
exaltar a mulher, porque a igreja e os cientistas que estão do
lado dela minimizam o papel da
mulher, mesmo durante a gravidez, dizendo que a liderança
do processo de hominização é
do embrião. Ele evoluiria por si
mesmo, e o útero não passaria
de um ambiente, de um ninho.
Aí eu inverto. O papel de liderança nesse processo de hominização é do útero. Chego a fazer uma diferença entre gravidez e maternidade. A gravidez é
uma coisa da natureza. Maternidade é subjetiva, do ser humano. Quis mostrar isto: que
não há gravidez por controle
remoto; se toda gravidez começa com embrião, nem todo embrião desencadeia a gravidez; se
todo nascituro pressupõe um
embrião, nem todo embrião
pressupõe o nascituro. Esses
jogos de palavra tiveram uma
intenção: exaltar a mulher.
O direito e a natureza tratam
a mulher de modo honroso. A
natureza coloca a mulher em
posição de liderança. A mulher
e o útero cumprem uma função
de destaque na criação, não o
embrião.
FOLHA - Qual é a sua opinião sobre
o aborto?
BRITTO - Admito nas duas hipóteses previstas no Código Penal. Até cheguei a dizer que, se o
embrião ou o feto, dependendo
da fase, já fossem pessoa, então
o código seria inconstitucional,
porque estaria autorizando
matar uma pessoa em caso de
estupro ou de risco para a vida
da mulher.
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