São Paulo, domingo, 07 de março de 2010

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"Quero fazer coisas arriscadas agora", diz cientista brasileiro

DO ENVIADO A SAN DIEGO

"Procuram-se homens para encarar jornada arriscada, salário baixo, frio de rachar, meses em completa escuridão, perigo constante, retorno duvidoso e, em caso de sucesso, reconhecimento e honra." O texto foi publicado pelo explorador Ernest Shacklelon num jornal para formar a equipe de sua expedição à Antártida em 1914. Uma cópia pendurada em um mural na UCSD, porém, indica: "Anúncio para pós-doutorado no laboratório de Muotri".
A piada, exibida na sala do próprio biólogo, faz jus à sua fama. O paulistano, após acumular experiência no vizinho Instituto Salk, assumiu aos 34 anos a missão de dar bom destino à verba que a UCSD recebera do governo estadual em 2008 para construir um novo instituto. O aporte era parte dos US$ 3 bilhões do programa Cirm (Instituto de Medicina Regenerativa da Califórnia), e foi complementado com doações do setor privado.
"Aqui o dinheiro vem desses caras de cabeça branca que você vê por aí passeando de Ferrari", diz o biólogo, que se considera privilegiado por empreender um projeto científico de alto risco ainda no início da carreira. Sua meta é usar as células-tronco para entender o desenvolvimento inicial do cérebro humano. Entre os projetos conduzidos por seu grupo está o de criar um roedor com neurônios derivados de crianças autistas e outras para conduzir experimentos in vivo.
Como nas expedições pioneiras à Antártida, é um trabalho de resultado incerto -mas de benefícios potenciais enormes. O esforço atraiu cartas mal-educadas de alguns críticos, mas não foi só. Em setembro passado, Muotri recebeu dos NIH (Institutos Nacionais de Saúde dos EUA) o "New Innovator Award", prêmio acompanhado de um fomento de mais US$ 1,5 milhão para fazer pesquisa. Com as verbas atuais, o pesquisador montou sua equipe de 12 cientistas -6 dos quais brasileiros- para a missão.
Alguns, acostumados à vagareza da ciência no Brasil, levaram um susto. "Aqui em San Diego a gente se sente no olho do furacão", diz Paulo André Marinho, um dos integrantes da equipe. Cassiano Carromeu, que que diz nunca ter entrado num ambiente científico de tanta concorrência, costuma passar noites no laboratório: "Não vim aqui para brincar".
Muotri sabe que é arriscado apostar em pesquisa básica de ponta antes de virar titular de uma cadeira na universidade. "Mas eu quero fazer coisas arriscadas agora, não quero ter de esperar seis anos até lá." (RG)


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