São Paulo, sexta-feira, 07 de maio de 2010

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Pesquisa encerra debate de uma década

Evidência de mistura entre humano e neandertal surpreendeu até o líder da pesquisa, para quem espécies podem ser uma só

Estudo de DNA de fósseis de 40 mil anos só foi possível graças a técnica avançada de soletração, que permitiu eliminar genes de bactérias


Frank Vinken/EVA-MPG
O pesquisador Tomislav Maricic manipula osso neandertal em sala limpa, para evitar contaminação com DNA dos cientistas

DA REPORTAGEM LOCAL

A decifração do genoma do neandertal é uma vitória tecnológica do sueco Svante Pääbo e de sua equipe.
Desde 2006, eles tentam sequenciar o DNA dos fósseis da Croácia, enfrentando dois problemas enormes: o fato de que DNA antigo não costuma se conservar bem e a altíssima contaminação das amostras.
Cerca de 95% do DNA extraído vinha não dos ossos, mas de bactérias. Para eliminar a contaminação, foi preciso usar técnicas que iam de enzimas que picotavam DNA bacteriano ao sequenciamento de um mesmo trecho várias vezes.
O verdadeiro triunfo da nova pesquisa, porém, talvez caiba a alguém que não participou dela: o arqueólogo português João Zilhão, da Universidade de Bristol (Reino Unido).
Até ontem, Zilhão era um defensor quase solitário da mestiçagem homem-neandertal, contestado pelo próprio Pääbo.
"Que quer que lhe diga senão que é o que andamos a dizer há já mais de dez anos?", brincou Zilhão, ao responder à Folha se estava se sentindo vingado pelo novo anúncio.
Como todos os grupos humanos que vivem fora da África parecem carregar o mesmo toque neandertal em seu DNA, Pääbo e colegas propõem que a mestiçagem ocorreu nos primeiros encontros das duas espécies, entre 80 mil e 50 mil anos atrás, no Oriente Médio.
"Qualquer dispersão de populações da África para a Europa e Ásia Central tem de passar por aí", concorda Zilhão.
Em princípio, não há nada que impeça o nascimento de híbridos férteis de espécies muito próximas, lembra Pääbo. Ele, no entanto, diz que a discussão sobre considerar ou não os neandertais como espécie separada é "infrutífera".
"Prefiro dizer que eles simplesmente eram um grupo de humanos um pouco mais diferentes de nós do que nós somos uns dos outros, mas não por uma margem muito grande."
Outro membro da equipe, David Reich, da Universidade Harvard (EUA), diz que ainda não é possível dizer o que predominou nos cruzamentos: homens modernos com mulheres neandertais ou vice-versa.
Por enquanto, o que se sabe é que não há traços neandertais no DNA mitocondrial das pessoas de hoje. Presente nas mitocôndrias, as usinas de energia das células, esse DNA só é transmitido da mãe para os filhos. No entanto, como basta uma mulher não ter filhas para não passá-lo adiante, é muito fácil que esse tipo de linhagem genética acabe sumindo. (RJL)


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