|
Próximo Texto | Índice
AMBIENTE
Lester Brown, fundador do Worldwatch Institute, diz que degradação levará preço do grão a alta histórica em 1 ano
Ambientalista prevê "chacoalhão" ecológico
Divulgação/Earth Policy Institute
|
O economista e ambientalista americano Lester Brown, fundador do Worldwatch Institute, posa para foto em Pequim, na China |
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Somente um evento catastrófico
e repentino poderá colocar o planeta no rumo de uma economia
ambientalmente sustentável. Esse
"11 de setembro" ecológico deve
acontecer nos próximos dois
anos, na forma de uma alta maciça no preço dos alimentos causada pela queda na produção de
grãos da China, resultado da degradação ambiental.
A previsão é de um dos ambientalistas mais respeitados do mundo, o americano Lester R. Brown,
69. Formado em economia agrícola, Brown fundou em 1973 o
Worldwatch Institute, organização não-governamental responsável pela publicação anual do
"Estado do Mundo", considerado
a bíblia do pensamento ecológico.
Para o ambientalista, que hoje
preside o Earth Policy Institute,
em Washington, a economia clássica gerou uma distorção nos preços ao ignorar os custos ambientais que agravam ano a ano a situação dos ecossistemas terrestres -que são, segundo ele, a
própria base da economia.
No livro "Eco-Economia" que
ganha hoje versão brasileira,
Brown propõe a incorporação
dos custos ambientais pela reestruturação do sistema tributário.
A idéia, que vigora em escala
mínima em alguns países da Europa, é diminuir impostos sobre
os ganhos e aumentar taxas sobre
atividades destrutivas, como a
queima de derivados do petróleo
-principal fonte dos gases que
causam o aquecimento global.
Brown reconhece que não é
uma tarefa simples. Essa reestruturação, que abriria o caminho
para energias limpas, como a eólica e o hidrogênio, dependeria de
"uma mentalidade de mobilização como a que tivemos na 2ª
Guerra", obrigatoriamente disparada por um evento catastrófico.
Especialmente nos EUA, país que
mais pesa na balança ambiental
do globo e que tem andado exatamente na contramão da "eco-economia", reduzindo impostos a
atividades destrutivas.
Folha - No seu livro, o sr. diz que
nós provavelmente não conseguiremos fazer as pessoas que tomam
decisões econômicas pensarem como ecologistas. O ambientalismo
falhou em converter as pessoas?
Lester R. Brown - Até agora, nós
não fizemos um bom trabalho.
Nós estamos gradualmente fazendo progressos. As pessoas estão
conscientes dos principais problemas associados ao aquecimento global, como derretimento das
geleiras, ondas de calor recordes,
tempestades mais destrutivas. Há
avanço, mas não chega nem perto
do que seria necessário.
Folha - E qual é o problema? Onde
os ambientalistas têm errado?
Brown - Na maior parte da nossa
existência como espécie, nós não
precisamos nos preocupar com o
ambiente. Éramos poucos e nosso
impacto era mínimo. Só cresceu a
partir da agricultura e, em sua
maior parte, após a Revolução Industrial. A economia mundial se
expandiu sete vezes desde 1950.
Agora nós temos de começar a
pensar na relação entre a economia e os ecossistemas terrestres.
Dois séculos atrás, nós pensamos
mais no lado econômico, como
desenvolver um mercado e criar
empresas. E perdemos o pé da natureza da nossa dependência dos
recursos naturais.
Folha - Mas o sr. não acha que, em
vez de atrair a atenção do público
para esses problemas, não se está
perdendo essa atenção?
Brown - Meu palpite é que vamos precisar de um chacoalhão
de algum jeito para nos fazer focalizar os problemas ambientais. Eu
costumo usar o exemplo histórico
dos EUA em 1941. Se você fizesse
uma pesquisa de opinião com os
americanos em 6 de dezembro de
1941 e perguntasse se eles achavam que os EUA deveriam se envolver na guerra, acho que 85%
teriam dito: "De jeito nenhum!" E
aí veio o 7 de dezembro [o ataque
a Pearl Harbour] e tudo mudou. E
muito rápido. Um mês depois do
ataque a Pearl Harbour, o presidente Roosevelt disse que o país
iria produzir 40 mil tanques, 65
mil aviões, 20 mil peças de artilharia antiaérea. A indústria automobilística disse que não conseguiria
produzir armas e carros ao mesmo tempo. E ele disse: "Nós vamos suspender a produção de
carros nos EUA." E foi exatamente o que ele fez. A indústria se redirecionou. Apesar de todas as
evidências de que vamos ser forçados a essa guerra, a maioria das
pessoas não querem aceitar até
que recebamos um chacoalhão.
Folha - Um tipo de 11 de setembro ambiental.
Brown - Exatamente.
Folha - E o que seria?
Brown - O preço da comida. A
escassez de água está se tornando
um grande problema. Se há escassez de água, há escassez de comida. Minha aposta é que o chacoalhão virá com a China, cuja produção de grãos foi de 9 milhões de
toneladas em 1950 para 390 milhões de toneladas em 1998, e agora caiu para 340 milhões de toneladas. No próximo ano ou dois,
teremos 1,3 bilhão de consumidores chineses competindo no mercado com os consumidores americanos pelos grãos americanos. E
esse 1,3 bilhão de chineses tem
US$ 100 bilhões de dólares de superávit comercial com os EUA.
Uma geração atrás simplesmente
imporíamos um embargo às exportações para impedir o preço
de subir. Mas, agora, temos interesse na estabilidade da China,
porque a economia chinesa é o
motor da economia mundial. Eu
acho que nesse ponto, quando os
preços dos alimentos subirem
muito, começaremos a achar que
há alguma coisa mudando. Isso
será dramático se ficar claro, como eu acho que ficará, que as altas
temperaturas estão reduzindo a
produtividade.
Folha - Há dois pontos aí: primeiro, todas as previsões dos chamados "profetas do apocalipse", de
altas nos preços de comida ao esgotamento das reservas de petróleo e a bomba populacional não se
concretizaram. Por que deveríamos acreditar nelas desta vez?
Brown - Primeiro deixe-me dizer
um par de coisas. Um, embora tenhamos pensado que, com a revolução verde e o aumento na tecnologia agrícola, a fome logo seria
uma coisa do passado, ainda temos 800 milhões de pessoas que
não têm comida. Há muita gente
com fome. Eu não diria que as
previsões falharam: elas se materializaram, esse é o problema! O
clima está mudando, as temperaturas estão subindo. Está acontecendo! Pode ser um sonho ruim,
mas está acontecendo.
Folha - Isso nos traz ao segundo
ponto: como tornar clara a associação entre a queda na produtividade na China e a mudança climática?
Há muita incerteza científica.
Brown - No último ano houve
várias novas pesquisas sobre o
efeito preciso da temperatura na
produtividade das lavouras. A
maioria dos modelos que têm sido usados para prever o efeito do
aquecimento global na agricultura foram baseados em dados muitos gerais, sem informação específica. O que estamos obtendo
agora do Instituto Internacional
de Pesquisa do Arroz nas Filipinas e do Serviço de Pesquisa Agrícola dos EUA é que o aumento de
1C acima do nível ótimo durante
a fase de crescimento reduz a produtividade em 10%. Então, podemos olhar para lavouras cuja produtividade foi reduzida pelo aumento de temperatura com um
grau de confiança maior.
Folha - O sr. diz também que nós
não vamos chegar a lugar nenhum
numa eco-economia com um projeto aqui e outro ali. Os ambientalistas e as ONGs têm falhado em dar
escala a pequenos projetos. Não
está na hora de fazê-los pensar como economistas?
Brown - Acho que sim. Acho que
precisamos pensar em mudança
sistêmica. Essa mudança significa
lidar com coisas como subsídios e
taxas sobre atividades destrutivas.
Acho que a medida política mais
importante para construir uma
eco-economia é reestruturar o sistema tributário. Baixar os impostos sobre o ganho e aumentar os
impostos sobre atividades como a
emissão de carbono.
Impostos ambientais são impopulares. Como conciliar ganhos
ambientais de longo prazo com
perdas políticas de curto prazo?
Brown - Houve muito poucos esforços para reestruturar o sistema
tributário. Na Europa, oito ou dez
países começaram a reestruturar
seu sistema tributário, mas de
uma maneira muito modesta, talvez afetando 2% ou 5% de sua base tributária. Mas está funcionando, serve de modelo para outros
países e eles estão fazendo isso
mais e mais.
Folha - Mas o país que mais pesa
na questão são os EUA, e eles estão
longe de fazer essa mudança.
Brown - Sim. Tão longe quanto
estávamos de entrar numa guerra
em 6 de dezembro de 1941.
Folha - Os economistas clássicos
argumentarão que, se todos os fatores externos, como os ambientais, forem incluídos nas contas da
economia, os preços subirão a ponto de tornar as relações econômicas impraticáveis.
Brown - Se eles estiverem certos,
então nós estamos com problemas. Porque nós pagaremos esses
custos de um jeito ou de outro.
Por exemplo, neste país, um ano
atrás, os Centros de Controle de
Doenças publicaram uma análise
sobre os custos sociais do cigarro.
Concluíram que, baseado no custo adicional do tratamento médico e da redução de produtividade
por faltas no trabalho, o custo para a sociedade de um maço de cigarros é US$ 7,18. Esse é o custo
indireto. Ele é real. Alguém paga
por ele: o empregador, o empregado ou a sociedade. E o mesmo
acontece com a mudança climática. Nós vamos pagar o custo indireto de queimar um galão de gasolina, na forma de poluição do
ar, tratamentos médicos, tempestades mais violentas etc.
Folha - O cigarro é uma propriedade. A atmosfera é um bem comum. Como fazer para pôr uma etiqueta de preço num bem comum e
legislar sobre ele?
Brown - É difícil. Muito mais difícil porque a principal pessoa que
paga o custo de fumar um cigarro
é o fumante. E a principal pessoa
que paga o custo de queimar um
galão de gasolina não é necessariamente o motorista. Pode ser
um plantador de arroz em Bangladesh, cujas terras estão sendo
inundadas devido ao aumento do
nível do mar.
Folha - E qual é a solução?
Brown - Fazer com a gasolina o
que os Centros para Controle de
Doenças fizeram com os cigarros:
detalhar os custos indiretos e aí
reestruturar o sistema tributário.
Folha - Mas, para funcionar, a
abordagem precisa ser global, e soluções globais não parecem muito
na moda hoje.
Brown - É verdade. Mas não precisa ser inteiramente global, precisa ter o envolvimento de vários
países em várias medidas. A questão interessante é: o custo para a
sociedade de queimar um galão
de gasolina é maior ou menor do
que o custo de fumar um maço de
cigarros? Meu palpite é: se incluirmos todos os custos indiretos, o
da gasolina é mais alto. Por exemplo: o Banco Mundial previu que,
se o nível do mar subir um metro,
Bangladesh perde metade de sua
área de cultivo de arroz e 40 milhões de bengaleses serão deslocados. Qual é o custo de assentar essas pessoas? São custos tão grandes que nós não queremos nem
contemplá-los.
Próximo Texto: Livro só terá edição on-line no Brasil Índice
|