São Paulo, Domingo, 07 de Novembro de 1999
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PERISCÓPIO

O QI dos povos está em ascensão?


JOSÉ REIS
especial para a Folha

Nas primeiras décadas deste século, vários geneticistas e psicólogos proclamaram que a inteligência estava em declínio temporal nas nações economicamente avançadas. Ao contrário dessa previsão, dados recentes relativos a numerosos países mostram que a inteligência tem aumentado em taxas superiores às expectativas.
Há algum tempo noticiou-se com certo alarde a elevação do QI dos japoneses. James Flynn, da Universidade de Otago, Nova Zelândia, levou a cabo o escrupuloso programa internacional que revela grande aumento dos escores brutos em testes de inteligência realizados em 14 países economicamente desenvolvidos.
Ele trabalhou especialmente com testes culturais, não-verbais, de inteligência fluida, e seus dados derivam particularmente da submissão aos testes de milhares de recrutas da Europa. Observou ganhos de escore equivalentes a 18 pontos de QI por geração em países onde há dados comparativos fidedignos desde 1950. A inteligência fluida é o poder mental que assegura a aquisição de habilidades cognitivas, ao contrário da inteligência cristalizada, que representa as habilidades cognitivas adquiridas numa cultura em particular.
Como ilustração dos dados de Flynn, podemos citar os recrutas holandeses, cujo QI médio aumentou 20 pontos num período de 30 anos. Segundo C. Brand ("Nature", 328, 110), o trabalho de Flynn vem confirmar a observação do "desenvolvimento acelerador secular das características psicológicas", primeiro feita por Liv Karan Koppen-Tulesius e Helfried Teichmann e documentada no caso do Japão por R. Lynn ("Nature", 297, 222).
Flynn tira de seus dados duas conclusões principais. Primeiro, observa que são possíveis ganhos maciços do tipo QI sem que os psicólogos tenham a mínima idéia de sua causa; calcula que, dos 20 pontos de QI ganhos na Holanda, só 3 podem ser atribuídos à elevação dos níveis socioeconômicos. Segundo, ele salienta que o QI é uma variável trivial em termos humanos (medindo apenas mera capacidade de resolver problemas), pois os grandes ganhos de QI não foram acompanhados apreciavelmente por nenhum melhoramento nos desempenhos ou outros progressos intelectuais. Para exemplificar, lembra que, de 1960 a 1980, o número de patentes concedidas na Holanda caiu um terço. O QI por si mesmo não parece significar grande coisa. Essa última conclusão de Flynn, na opinião de Brand, não pode se manter à vista da mais ampla série de testes empíricos a que pode ser submetida. Por exemplo, J.E. Hunter e R.F. Hunter sustentam que o QI é o principal indicador do êxito profissional nos EUA.
Para explicar o aumento do QI, surgem várias propostas. Para Flynn, a explicação estaria na crescente permissividade, liberalismo e extroversão das economias "avançadas", que podem ter estimulado nos jovens um impulso no tipo de testes usados ("culture fair tests"), dados muitas vezes em limites de tempo que dificilmente estimulam a reflexão. Os resultados espelhariam ganho numa educação que assume forma menos meticulosa, na qual a aula estimula a rapidez e a adivinhação inteligente.
Sobre o significado do trabalho de R. Flynn e colaboradores, Brand publica minuciosa análise na "Nature" (328, 761). Indaga ele: terá o aumento de QI ocorrido principalmente em testes que, por sua natureza, sempre podem dar injusta vantagem a pessoas com menos consciência? É uma das questões apenas dentre as que levanta.


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