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PERISCÓPIO
O QI dos povos está em ascensão?
JOSÉ REIS
especial para a Folha
Nas primeiras décadas deste
século, vários geneticistas e psicólogos proclamaram que a inteligência estava em declínio
temporal nas nações economicamente avançadas. Ao contrário dessa previsão, dados recentes relativos a numerosos países
mostram que a inteligência tem
aumentado em taxas superiores
às expectativas.
Há algum tempo noticiou-se
com certo alarde a elevação do
QI dos japoneses. James Flynn,
da Universidade de Otago, Nova Zelândia, levou a cabo o escrupuloso programa internacional que revela grande aumento dos escores brutos em
testes de inteligência realizados
em 14 países economicamente
desenvolvidos.
Ele trabalhou especialmente
com testes culturais, não-verbais, de inteligência fluida, e
seus dados derivam particularmente da submissão aos testes
de milhares de recrutas da Europa. Observou ganhos de escore equivalentes a 18 pontos de
QI por geração em países onde
há dados comparativos fidedignos desde 1950. A inteligência
fluida é o poder mental que assegura a aquisição de habilidades cognitivas, ao contrário da
inteligência cristalizada, que representa as habilidades cognitivas adquiridas numa cultura em
particular.
Como ilustração dos dados de
Flynn, podemos citar os recrutas holandeses, cujo QI médio
aumentou 20 pontos num período de 30 anos. Segundo C.
Brand ("Nature", 328, 110), o
trabalho de Flynn vem confirmar a observação do "desenvolvimento acelerador secular das
características psicológicas",
primeiro feita por Liv Karan
Koppen-Tulesius e Helfried
Teichmann e documentada no
caso do Japão por R. Lynn ("Nature", 297, 222).
Flynn tira de seus dados duas
conclusões principais. Primeiro,
observa que são possíveis ganhos maciços do tipo QI sem
que os psicólogos tenham a mínima idéia de sua causa; calcula
que, dos 20 pontos de QI ganhos
na Holanda, só 3 podem ser atribuídos à elevação dos níveis socioeconômicos. Segundo, ele salienta que o QI é uma variável
trivial em termos humanos
(medindo apenas mera capacidade de resolver problemas),
pois os grandes ganhos de QI
não foram acompanhados apreciavelmente por nenhum melhoramento nos desempenhos
ou outros progressos intelectuais. Para exemplificar, lembra
que, de 1960 a 1980, o número de
patentes concedidas na Holanda caiu um terço. O QI por si
mesmo não parece significar
grande coisa. Essa última conclusão de Flynn, na opinião de
Brand, não pode se manter à
vista da mais ampla série de testes empíricos a que pode ser
submetida. Por exemplo, J.E.
Hunter e R.F. Hunter sustentam
que o QI é o principal indicador
do êxito profissional nos EUA.
Para explicar o aumento do
QI, surgem várias propostas.
Para Flynn, a explicação estaria
na crescente permissividade, liberalismo e extroversão das
economias "avançadas", que
podem ter estimulado nos jovens um impulso no tipo de testes usados ("culture fair tests"),
dados muitas vezes em limites
de tempo que dificilmente estimulam a reflexão. Os resultados
espelhariam ganho numa educação que assume forma menos
meticulosa, na qual a aula estimula a rapidez e a adivinhação
inteligente.
Sobre o significado do trabalho de R. Flynn e colaboradores,
Brand publica minuciosa análise na "Nature" (328, 761). Indaga ele: terá o aumento de QI
ocorrido principalmente em
testes que, por sua natureza,
sempre podem dar injusta vantagem a pessoas com menos
consciência? É uma das questões apenas dentre as que levanta.
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