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MUDANÇA CLIMÁTICA
Aumento da temperatura global em 2050 pode encolher habitat de animais e plantas até extingui-los
Aquecimento ameaça 24% das espécies
REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Ainda é difícil imaginar a Terra
sem quase um quarto das suas espécies vegetais e animais, mas é isso que pode estar à espreita daqui
a meros 50 anos, se um esforço
mundial para deter o aquecimento do planeta não for feito, alerta
um estudo publicado hoje.
A previsão de sumiço de 24%
das plantas e bichos do globo nem
é a mais pessimista. Ela se refere a
um grau mediano de mudança
climática, aquela que viria se tivessem sucesso medidas para diminuir a queima de combustíveis
como petróleo e derivados, que
lançam na atmosfera gases ligados ao aquecimento global.
No caso de aumentos maiores
do que 2C na temperatura média
mundial por volta de 2050, até
52% das espécies poderiam se extinguir, com o desaparecimento
das condições ambientais que garantem hoje sua sobrevivência.
O trabalho, que sai na revista
científica britânica "Nature"
(www.nature.com), foi coordenado pelo biólogo britânico Chris
Thomas, da Universidade de
Leeds, e contou com a bióloga
brasileira Marinez Ferreira de Siqueira, do Cria (Centro de Referência em Informação Ambiental), em Campinas. Participaram
ainda cientistas do México à Austrália, que já faziam trabalhos em
escala local.
"O que fizemos foi reunir o
maior número possível desses estudos, cobrindo a maior área possível do planeta. Esse novo trabalho analisa esses resultados para
tentar estimar os riscos de extinção", afirmou Thomas à Folha.
Envelope ambiental
O trabalho parte do pressuposto
de que, para cada espécie, existe
um tipo de "envelope ambiental".
São as condições de temperatura,
precipitação (quantidade de chuva) e sazonalidade (variação das
estações do ano) das quais a espécie depende para sobreviver.
A partir disso, os pesquisadores
criaram modelos matemáticos
que levam em conta tais condições e a distribuição atual das espécies numa região, diz Siqueira.
"O algoritmo busca, fora dos
pontos de ocorrência das espécies, regiões similares onde a espécie poderia ocorrer -no presente e no futuro, usando as projeções do IPCC [Painel Intergovernamental de Mudança Climática, órgão da ONU] para daqui a
50 anos", explica a bióloga, que
estudou os efeitos de possíveis alterações sobre espécies de árvore
presentes no cerrado.
O que acontece é que, em diversos casos, e de acordo com a intensidade de mudança ambiental
gerada pelo aquecimento nos vários cenários futuristas estimados
pelo IPCC, a área disponível para
uma espécie encolhe tanto que ela
simplesmente pode cair fora do
mapa -correndo o risco de se extinguir. No pior dos mundos, esse
é o destino esperado para 75 de
um total de 163 espécies de árvore
do cerrado, como a douradinha
(Palicourea rigida) ou o murici
(Byrsonima coccolobifolia), de
acordo com Siqueira.
"Claro que isso vai variar de espécie para espécie", ressalva a bióloga. Algumas estimativas não levam em conta, por exemplo, a capacidade de dispersão das espécies pelo ambiente, ou a adaptação delas a habitats diversos.
"Mas você supõe que as necessidades ecológicas de uma espécie
não vão variar em 50 anos", pondera a pesquisadora.
O resultado parece se repetir em
grupos de seres vivos, de forma ligeiramente diferente, por todas as
regiões do planeta estudadas pela
equipe. No entanto, ainda é difícil
imaginar se haveria efeitos positivos da mudança climática global
sobre algum tipo de ecossistema.
"Áreas frias e secas podem ver
aumentos na diversidade local, se
houver aumentos na temperatura
e na precipitação, mas as espécies
adaptadas ao frio e à seca poderiam estar em risco mesmo assim", diz Thomas.
Embora o trabalho para entender como as variáveis climáticas e
biológicas interagem esteja só no
começo, pode ser que a incorporação de mais complexidade aos
modelos mostre que o quadro é
ainda pior do que se pensava.
"Dado que a quantidade mínima de aquecimento global esperada para 2050 é cada vez mais
improvável, por causa da relutância de países-chave em ratificar [o
protocolo de] Kyoto [que propõe
medidas contra o problema], isso
pode sugerir que nossas estimativas mais otimistas não são realistas", avalia Thomas.
"Na minha opinião, esses dados
são bastante alarmantes e devem
ser levados em consideração para
decisões sobre conservação de espécies no Brasil", diz Siqueira.
"No entanto, há um fio de esperança", ressalva Thomas. "Há
enormes diferenças nas extinções
projetadas para aquecimento global mínimo ou máximo, de forma
que a ação política ainda poderia
salvar um número enorme de espécies. E elas não se tornam extintas no momento em que o clima
muda. Portanto, reverter o aquecimento poderia salvar algumas
ou talvez muitas espécies."
Com a palavra, a Rússia e os Estados Unidos, grandes emissores
de gases do aquecimento global
que se recusam a ratificar Kyoto.
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