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ENTREVISTA
BEATRIZ BARBUY
Somos dependentes, mas não queremos perder o bonde
Ganhadora de um prêmio de ciência destinado a pesquisadores de países em desenvolvimento e de outro para mulheres, a astrônoma da USP Beatriz Barbuy conta por que não se intimidou com as limitações de verba -nem com o machismo-durante sua carreira
Divulgação
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A pesquisadora em frente ao Museu do Louvre, em Paris, na quinta-feira, quando recebeu o prêmio L'Óreal/Unesco
RICARDO MIOTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Vice-presidente da União Astronômica Internacional, a
paulistana Beatriz Barbuy diz
que o Brasil não pode abrir mão
de ajuda externa para fazer astronomia de ponta, mas precisa
planejar sua independência.
Aos 59, ela acaba de ganhar o
prêmio L'Oréal/Unesco, dedicado a mulheres que se destacam na ciência. Solteira, conta
que nasceu em família liberal e
não sabia o que era machismo.
"Só comecei a perceber quando
entrei na faculdade."
Barbuy também ganhou, em
2008, o prêmio Trieste, destinado a cientistas de países em
desenvolvimento. Em entrevista à Folha por telefone, ela
conta por que voltou ao Brasil
depois de um doutorado na
França, mesmo tendo qualificação para trabalhar em instituições de ponta na Europa.
FOLHA - Existe muito machismo na
comunidade científica?
BEATRIZ BARBUY - Está melhorando ao longo dos anos, mas a
gente sabe que existe. Na hora
de ter um cargo de chefia, por
exemplo, ainda há algum preconceito. Ao longo da minha vida percebi isso. E não são só os
homens, as mulheres também
são machistas, infelizmente.
FOLHA - Um ex-reitor de Harvard
disse que as mulheres têm menos
habilidade com ciências exatas.
BARBUY - Eu discordo totalmente, óbvio. Acho absolutamente ridículo. Temos todos a
mesma capacidade mental.
Talvez haja algum fator psicológico, mas não uma menor capacidade de raciocínio.
FOLHA - Fator psicológico?
BARBUY - É. Astronomia exige
que você fique trancado num
quarto pensando, então talvez
as mulheres não queiram, tenham mais necessidade de família. O homem também tem,
mas ele considera que a mulher
fica esperando em casa e ele pode trabalhar. O contrário ainda
não é verdade. Então, acho que
existe esse lado mais social.
FOLHA - Como foi a sua criação?
BARBUY - Não teve nenhum aspecto de machismo, nenhum.
Nem sabia que isso existia. Só
comecei a perceber na faculdade. Meu pai não queria que eu
ficasse sem fazer nada. Ele não
admitiria. Acharia um horror
que eu me casasse, tivesse filhos e pronto. Tive muita sorte.
FOLHA - Se a senhora tivesse filhos,
gostaria que fossem cientistas?
BARBUY - Claro. Acho que a
ciência é a direção. Eu acredito
mesmo. Mas o ensino é muito
falho. Eu gostaria de saber mais
de outras áreas, de medicina. A
gente não sabe nem onde é o fígado... [Risos.]
FOLHA - Na visão de muitos leigos,
investir em ciência que não tem aplicação direta é desperdício.
BARBUY - Quem fala isso não
está enxergando nada. Por
exemplo, os astrônomos ficavam estudando o movimento
dos satélites e procurando determinar órbitas no sistema solar. É por isso que a gente hoje
tem as telecomunicações, com
satélites girando por aí.
FOLHA - Por que o público leigo se
interessa tanto por astrologia e tão
pouco por astronomia?
BARBUY - Há muito interesse
pela astronomia. É um outro tipo de pessoa que se interessa
pela astrologia. É quem precisa
de um psicólogo. Eu acho, aliás,
que [astrólogos] são excelentes
psicólogos. A gente às vezes lê
os textos, e eles são muito
bons... [Risos.]
FOLHA - Falta educação básica?
BARBUY - O que resolve é a educação. A coisa mais importante
que se fez no Brasil nos últimos
50 anos foi dar bolsa de estudos
para o pessoal fazer mestrado,
doutorado. Hoje se formam 10
mil doutores por ano no Brasil.
Isso é que está tirando o país do
subdesenvolvimento.
FOLHA - A senhora fez o doutorado
pela Universidade de Paris. Por que
não continuou carreira fora?
BARBUY - Eu não queria sair do
Brasil. Talvez tenha sido um erro [não seguir carreira no exterior], mas eu não queria ser estrangeira o resto da vida.
FOLHA - Falta financiamento aqui?
BARBUY - Falta dinheiro, falta
pessoal em tecnologia, temos
pouco tempo nos telescópios, e
a gente não sabe construir nada. Aqueles anos todos de proteção do mercado -quando
não se podia importar nada ou,
quando podia demorava séculos- atrasaram tudo. Até hoje é
complicado importar coisas.
FOLHA - Os alunos querendo fazer
astronomia são poucos?
BARBUY - Tem muito aluno
querendo. Muitos são bons, a
nossa geração também era.
Mas, depois de um certo tempo,
se você não tem dados, vai desanimando. E antigamente não
tinha computador, quando eu
cheguei da França [do doutorado, em 1982] passei dez anos
sem. Tinha que voltar à França
para fazer cálculos por causa
daquela lei idiota [a reserva de
mercado de informática, nos
anos 80], que quase matou o
Brasil. Ela matou algumas
áreas da engenharia, atrasou o
meu currículo, atrasou todo
mundo em dez anos.
FOLHA - O Brasil está hoje em muitas colaborações internacionais em
astronomia. Isso não impede o país
de criar agenda científica própria?
BARBUY - Você não é obrigado a
colaborar. Mas, de fato, se eu
mandar um projeto num desses telescópios melhores, vai
ser muito difícil eu conseguir
[sem o Brasil estar na parceria].
O Brasil não paga nada, então...
FOLHA - Isso está melhorando?
BARBUY - Melhorou. Temos um
terço de um telescópio no Chile, que é o Soar. Temos 2,5% de
um telescópio de oito metros [o
Gemini]. Alguns de nós estamos também produzindo instrumentos. Com muita dificuldade, mas estamos. Sempre dependendo de alguma ajuda estrangeira. Nisso, somos totalmente dependentes, mas não
queremos perder o bonde para
estarmos bem daqui a dez anos.
FOLHA - Seu ritmo de trabalho intenso afeta sua vida pessoal?
BARBUY - Deve ter influenciado. Mas eu tive azar, também.
Para encontrar a pessoa certa é
preciso sorte. Você se casa, mas
se a pessoa te engana, tem outra... o que eu vou fazer? Foi
mais ou menos o que me aconteceu. Acontece com qualquer
um. Aí, acho que talvez eu tenha errado: toda vez que eu tinha um problema [pessoal], eu
ia lá e ficava trabalhando, em
vez de procurar outra solução.
FOLHA - O trabalho era refúgio?
BARBUY - Quando há um monte
de homens na vida, você perde
tempo. Várias vezes eu tive a
atitude de "vou parar de perder
tempo e vou trabalhar". Hoje
não é preciso se sacrificar tanto. Eu poderia ter sido mais
prática. "Não deu certo aqui, vai
ali." Não fui prática. Romantismo, aquelas coisas... Que ainda
são do meu tempo, né? [Risos.]
FOLHA - Como a senhora imagina a
astronomia daqui dez anos?
BARBUY - Com muitos instrumentos sendo feitos, telescópios grandes em todos os comprimentos de onda. Há um projeto de observatórios virtuais. A
ideia é padronizar todas as observações existentes no planeta
para que todos tenham acesso.
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