São Paulo, domingo, 08 de abril de 2007

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Marcelo Leite

O caso Natal

IINN no centro da celeuma que divide os neurocientistas

Até que não demorou muito para o neurocientista Miguel Nicolelis colher o que plantou. Há pouco mais de um mês, inaugurou-se na capital do Rio Grande do Norte seu sonhado Instituto Internacional de Neurociência de Natal (IINN), após três ou quatro anos de batalha. Um feito. Nicolelis, brasileiro que se formou na USP e ganhou fama na Universidade Duke (EUA), costuma aparecer como o mentor do IINN. Na verdade, a iniciativa tem três pais: além dele, seu pupilo Sidarta Ribeiro e Claudio Mello, da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon (EUA). Sem Nicolelis, porém, o IINN não decolaria.
O projeto do IINN de reunir neurociência, ensino e atendimento de saúde numa só instituição é inovador e generoso. Instalá-lo fora do Sul-Sudeste indica arrojo. Um de seus objetivos é repatriar pesquisadores brasileiros de talento, outra boa idéia. Por que, então, o instituto está no centro da celeuma que divide os neurocientistas brasileiros? Um pesquisador me disse certa vez que instituições acadêmicas são movidas a vaidade, inveja e maledicência. Talvez não faltem esses ingredientes no caso Natal, mas em seu núcleo está o meu, o seu, o nosso dinheiro. Nicolelis cultua a figura de Santos Dumont, quixote brasileiro por excelência. Diz em seu blog Neurolog que na raiz da pendenga está a recusa, ao "voltar do exílio", de primeiro "beijar a mão dos tais cardeais da neurociência brasileira, antes de ousar começar a pôr as asinhas de fora".
Sua diatribe de 1.614 palavras, "Saudações aos que não fazem e não deixam fazer" (16 de março), era resposta a Roberto Lent, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 210 palavras de um trecho de entrevista a Mônica Maia, do "Boletim da Faperj", Lent passara recibo a Nicolelis do incômodo com "certo desapreço pelo patrimônio construído pelos neurocientistas brasileiros". Lent disse também, na entrevista de 8/3, que tal comportamento não era "sábio para quem deseja repatriar-se e integrar-se à comunidade local".
Deu uma no cravo e outra na ferradura do instituto: "O IINN é um projeto de mérito e tem conseguido captar recursos públicos, correndo por fora dos canais abertos ao restante da comunidade científica". Mais precisamente, R$ 13 milhões do governo Lula, como informa Nicolelis no blog. Ele nega que o dinheiro vá desfalcar verbas de pesquisa para o setor e diz que recorreu a fontes abertas para qualquer cientista brasileiro. Ofereceu-se para dar dicas a Lent e seus colegas.
Há outra maneira de interpretar a alusão de Lent, porém. Nicolelis e o IINN, no entender de neurocientistas que se alinharam com o professor da UFRJ, contornaram a praxe científica de submeter projetos à avaliação de mérito por outros pesquisadores. Assim procedem a Fapesp e o CNPq, por exemplo (se de fato deixam de perpetuar panelas é outra história).
O ponto foi levantado no item 5 de uma nota da Sociedade Brasileira de Neurociência e Comportamento (SBNeC) assinada por 15 especialistas: "É a atuação de pares, em postos de decisão política ou como consultores e membros de comitês, que define o volume de recursos a serem disponibilizados e sua distribuição baseada em critérios de mérito e de produtividade acadêmica dos cientistas". Do ponto de vista do público, pouco importam as vaidades dos envolvidos, mas importam muito os critérios de alocação de parcos recursos estatais de pesquisa. É diante dele que essa roupa suja precisa ser lavada.


MARCELO LEITE é autor do livro "Promessas do Genoma" (editora Unesp, 2007) e responsável pelo blog Ciência em Dia (www.cienciaemdia.zip.net).
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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