São Paulo, quinta-feira, 08 de maio de 2008

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Combate à poluição ajuda a secar a Amazônia

Aquecimento global e redução do enxofre no ar causaram estiagem recorde de 2005

Estudo feito por britânicos e brasileiros é o primeiro a confirmar a parcela de culpa do homem nesse fenômeno, cuja freqüência deve crescer

Lalo de Almeida - 12.out.05/Folha Imagem
Crianças carregam peixes no leito seco de lago na comunidade de Nova Canaã, município de Caapiranga, Amazonas, em 2005

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

O aquecimento global foi mesmo o responsável pela seca recorde que assolou a Amazônia em 2005. Mas ele não agiu sozinho, e sim com a ajuda de um comparsa insuspeito: o combate à chuva ácida nos Estados Unidos e na Europa nos últimos 30 anos.
Um estudo publicado por britânicos e brasileiros mostrou que a redução na quantidade de partículas (aerossóis) de enxofre no ar no hemisfério Norte, resultado de leis contra a poluição, acabou se somando às emissões de dióxido de carbono para produzir o clima anormal no oceano Atlântico que provocou a estiagem -uma das piores do último século.
Embora outros trabalhos anteriores já tivessem relacionado essa seca às temperaturas altas no Atlântico Norte, a nova pesquisa, publicada hoje na revista "Nature", é a primeira a apontar culpados e estimar a responsabilidade humana.
A previsão dos cientistas é que, com o sucesso cada vez maior das políticas de combate à poluição por enxofre, grandes secas na Amazônia serão mais freqüentes. E a humanidade terá de se esforçar mais para reduzir a carga de CO2 na atmosfera se não quiser ver a floresta entrar em colapso até 2100.
Há boas razões para não querer isso, além da preservação da biodiversidade e da qualidade de vida dos brasileiros: a maior floresta tropical do mundo detém 10% do carbono armazenado nos ecossistemas terrestres. Se lançado na atmosfera, esse carbono ajudará a esquentar ainda mais o globo.
"A limpeza do ar no hemisfério Norte é completamente justificada no sentido de salvaguardar a saúde humana e reduzir a chuva ácida, mas ela aumenta a urgência com que nós devemos também lidar com as emissões globais de gases-estufa", disse à Folha o climatologista Peter Cox, do Met Office (serviço meteorológico britânico). Ele é o autor principal do estudo, que teve participação de José Marengo e Carlos Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Proteção acidental
Observações de Marengo e seus colegas já haviam mostrado que a seca de 2005 era anormal por não ter relação com o El Niño, o aquecimento cíclico do Pacífico, que é considerado o grande motor das estiagens na Amazônia e no Nordeste.
Na verdade, a origem daquela seca tinha sido o calor no Atlântico Norte, também responsabilizado pela temporada de furacões que gerou o Katrina.
Marengo e Nobre também mostraram que, quando o Atlântico Norte tropical está mais quente e o Atlântico Sul tropical está mais frio, ocorrem secas na Amazônia porque os ventos do mar para o continente ficam enfraquecidos e o transporte de umidade para a floresta diminui. Em 2005, essa diferença de temperatura foi de 4,2C. "Em anos normais ela não chega a 2C", diz Marengo. Eles chegaram a sugerir que isso pode ficar mais freqüente no futuro, no planeta mais quente.
"Essa conexão agora foi comprovada", afirmou.
Cox e seus colegas usaram um modelo climático computacional para simular as condições de chuva na floresta no futuro e no passado, levando em conta só o aquecimento global. O modelo não reproduziu bem as condições do passado, dando a entender que faltava alguma peça no quebra-cabeça.
Quando o efeito dos aerossóis foi incluído nas simulações, a coincidência foi total. "Foi surpreendente que o modelo passou a reproduzir a variabilidade das diferenças de temperatura entre o Atlântico Norte e o Sul", disse Cox.
Ao refletirem a radiação solar de volta para o espaço, os aerossóis de enxofre têm ajudado a manter o Atlântico Norte tropical mais frio. "Assim, eles protegeram a Amazônia de alguns impactos da mudança climática", afirmou Cox. "À medida que esses aerossóis declinam, podemos também esperar um declínio nessa proteção acidental."


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