São Paulo, sábado, 08 de maio de 2010

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USP descobre nova chave contra infecção

Pesquisa identifica molécula no organismo capaz de controlar a sepse, uma das principais causas de morte em UTIs

Tratamento em roedores reduziu número de mortes de 80% para 20%; estudo será publicado no periódico médico "Nature Medicine"


Edson Silva/Folha Imagem
O bioquímico José Carlos Alves Filho, 34, ao lado de seu orientador, Fernando de Queiróz Cunha, do Departamento de Farmacologia da USP de Ribeirão Preto

LEANDRO MARTINS
DA FOLHA RIBEIRÃO

No início do mês passado, em Duque de Caxias (RJ), o estudante Diego Frazão Torquato, 12, morreu em razão de uma infecção contraída após cirurgia de apendicite. Um estudo de pesquisadores brasileiros e britânicos abre uma janela para a redução de mortes causadas por infecções generalizadas, como a que vitimou o jovem.
O trabalho de pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, e da Universidade de Glasgow, no Reino Unido, descobriu o que pode ser a chave para o controle das infecções generalizadas, conhecidas como sepse.
Após um estudo de dois anos, os cientistas conseguiram demonstrar que uma proteína existente no próprio organismo, chamada de citocina IL-33, tem o poder de restabelecer as defesas do corpo humano a uma infecção generalizada.
O resultado será publicado na revista "Nature Medicine".
A sepse é uma das principais causas de morte nas unidades de terapia intensiva. "De 30% a 40% das pessoas que chegam com sepse a um hospital morrem", afirmou o farmacologista José Carlos Faria Alves Filho, 34, um dos autores do estudo.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima em 750 mil os casos de sepse nos EUA por ano, com 200 mil mortes. No Brasil, sem números oficiais, a USP estima até 20% a mais de mortes.
A sepse ocorre, principalmente, em razão de falha no sistema imunológico em controlar uma infecção local. Pacientes com comprometimento do sistema imune, como pessoas com câncer, idosos ou ainda pessoas saudáveis que foram vítimas de traumas ou queimaduras, por exemplo, podem se tornar mais suscetíveis.

Descoberta
No organismo humano, quando uma infecção é detectada, um grupo de moléculas chamadas receptores "toll-like", que fazem parte do sistema imunológico, entra em ação para reconhecer o tipo de bactéria que invadiu o corpo.
Em reação em cadeia, esses receptores ativam os neutrófilos, células que são consideradas os "soldados" da linha de frente do sistema imune, que migram para o foco da infecção.
Ocorre que, quando há sepse, os mesmos receptores "toll-like", ao serem ativados na circulação sanguínea, desenvolvem uma resposta inflamatória sistêmica. Isso, em vez de enviar os neutrófilos para o combate, inibe a migração dos "soldados" para o foco da infecção.
"Se você dificulta ou atrapalha a migração dessas células [neutrófilos] para o foco da infecção, ela deixa de ser local e passa a ser sistêmica, generalizada", afirmou Alves Filho.
Durante o estudo, os pesquisadores descobriram que uma proteína existente no próprio sistema imunológico -a citocina IL-33-, injetada em doses altas, é capaz de inibir os efeitos nocivos dos receptores e, com isso, restabelecer a migração de neutrófilos para a inflamação.
"Essa citocina não tem nenhuma capacidade microbicida, ela simplesmente fortalece o sistema imune para que ele próprio consiga controlar a infecção", disse o pesquisador.

Na prática
Os testes foram feitos com camundongos e amostras de pacientes com sepse, e, segundo Alves Filho, os resultados foram positivos nos dois casos.
Com os camundongos, a proporção de animais com sepse que morriam caiu de 80% para 20% após o tratamento com a citocina IL-33.
Agora, o grupo iniciará duas novas frentes de trabalho. Uma delas, em Glasgow, para prosseguir com os testes sobre a possibilidade de uso da citocina de forma farmacológica.
A outra frente deve prosseguir no Brasil, em busca de uma droga que tenha poderes semelhantes aos encontrados pelos pesquisadores.
Segundo Fernando Cunha, do Departamento de Farmacologia da USP de Ribeirão, a droga seria mais viável por envolver menos custo do que o processamento da citocina.
Cunha disse que a produção de uma droga leva, em média, de cinco a dez anos até que se encontre a substância ideal. "Os dados da pesquisa ainda são experimentais, mas a grande vantagem é que nós já conseguimos demonstrar que o que ocorre no camundongo ocorre também no paciente. É uma importante etapa já cumprida."


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