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+ Marcelo Gleiser
Entre a razão e o pragmatismo
A representação de um círculo é inevitavelmente imperfeita
E
m uma coluna no mês passado,
abordei as idéias de Empédocles, um dos grandes filósofos
pré-Socráticos, o grupo de pensadores
que plantou as sementes da grande
tradição intelectual do Ocidente. Hoje, gostaria de continuar essa exploração dos fundamentos do pensamento
científico, tratando de dois dos maiores filósofos de todos os tempos, Platão e Aristóteles.
Platão, provavelmente pupilo de
Sócrates, viveu entre 427 a.C e 347
a.C. Em 380 a.C., fundou a famosa
Academia de Atenas, que pode ser
considerada a primeira instituição de
ensino superior da história. Para Platão, influenciado pelo pensador pré-Socrático Parmênides, a realidade,
quando apropriada apenas através
dos sentidos, era ilusória. Sua verdadeira essência encontra-se no mundo
das idéias, povoado pelas formas.
Essas formas eram representações
eternas das estruturas que dão fundamento ao verdadeiro conhecimento.
Por exemplo, um círculo é apenas perfeito enquanto idéia. Sua representação num papel, portanto, será necessariamente imperfeita.
Para Platão, o Demiurgo, a inteligência criadora do cosmo, usou as formas como arcabouço da realidade.
Sua filosofia era, portanto, necessariamente abstrata. Ao propor aos seus
pupilos que estudassem os céus, Platão lançou um desafio: que todos os
movimentos dos astros celestes, criados pelo Demiurgo, fossem explicados
em termos de círculos e suas inter-relações. Esse desafio inspirou a astronomia por dois milênios.
A filosofia de Platão reverenciava a
geometria e a razão acima da percepção sensorial das coisas. Seu pupilo
mais famoso, Aristóteles, discordava.
Considerado por muitos o filósofo
mais influente da história, ele era um
pragmático, que acreditava no poder
da lógica e do bom senso para construir uma explicação da realidade conforme captada pelos sentidos.
Como resposta às abstrações ensinadas na Academia, Aristóteles fundou, em 335 a.C., o Liceu. Enquanto a
Academia era dedicada à Atena, deusa
da sabedoria, o Liceu era dedicado a
Apolo, deus das curas e da luz, da música e da verdade.
Para Aristóteles, a realidade era dividida em duas partes. Seu cosmo era
como uma cebola, com a Terra fixa no
centro, e a Lua, o Sol, os planetas e as
estrelas girando à sua volta em movimentos circulares, carregados por esferas cristalinas concêntricas. Da Lua
para baixo, as coisas eram compostas
pelos quatro elementos -terra, água,
ar e fogo- em combinações que podiam mudar. Da Lua para cima, tudo
era composto de éter, uma substância
eterna e imutável.
A explicação de Aristóteles para a
gravidade ilustra bem sua filosofia
pragmática: as coisas caem pois querem voltar ao seu lugar de origem.
Uma pedra, se largada de uma certa
altura, cai verticalmente. Já o fogo sobe, pois quer ocupar as partes superiores da atmosfera.
Para Aristóteles, os movimentos
dos corpos celestes eram impostos no
cosmo de fora para dentro: a esfera
mais externa era a morada da sua versão de Demiurgo, o "Que Move Sem
Ser Movido", responsável pelo movimento inicial que propagava-se através do cosmo como as engrenagens de
um relógio. Com isso, Aristóteles oferecia uma solução pragmática para o
problema da Primeira Causa: como
surgiu o mundo e seus movimentos.
A noção de uma divindade imortal
externa ao universo seria apropriada
pela Igreja. Na Idade Média, a aliança
entre Aristóteles e a teologia cristã
criou uma visão de mundo onde o homem era o centro do cosmo e senhor
da Natureza -visão que, infelizmente,
persiste até hoje. Está mais do que na
hora de nos livrarmos dela.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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