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+ Marcelo Leite
Herói do planeta na cadeia
Na Amazônia, o tema da biopirataria é sempre sensível
Mesmo quem não conhece
pessoalmente o primatologista Marc van Roosmalen
pode até admitir sem maiores sustos
alguma simpatia por ele. Um mínimo
de admiração, vá lá.
Afinal, são poucas as pessoas capazes de encontrar, identificar e descrever cinco novas espécies de primatas
em duas décadas de trabalho na selva
amazônica. Foi o bastante para a revista norte-americana "Time" incluí-lo numa lista de 14 "Heróis do Planeta", em março de 2000, na companhia
de Russell Mittermeier e Robert F.
Kennedy, entre outros nomes do "jet
set" ambientalista.
Holandês naturalizado brasileiro, o
sessentão Roosmalen - "Mister Marco", como é conhecido- foi condenado a 18 meses de detenção por crimes
contra a fauna e desvio de dinheiro
público, segundo informou reportagem na Folha de 27 de junho. Seu advogado apresentou um pedido de habeas corpus.
Roosmalen foi processado por manter 28 macacos em cativeiro em sua
casa, sem autorização do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis). O
primatologista alega que era um hospital veterinário e que foi vítima de armação de madeireiros e outros inimigos da floresta, como noticiou o diário
"The Guardian" em 23 de junho.
O pesquisador havia sido alvo também de uma sindicância interna no
Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia), órgão do governo federal onde trabalhara vários anos. Terminou expulso da instituição.
Ainda sem conhecê-lo, e sem prejuízo da possibilidade de que tenha agido
por má-fé, pode-se concluir que Roosmalen é um ingênuo. Foi o que procurou caracterizar esta coluna, há quase
cinco anos (22 de setembro de 2002),
quando divulgou a tentativa do especialista em macacos de vender nomes
de espécies novas pela internet.
O texto começava assim: "Para
quem já está às voltas com uma investigação do Ibama, por captura e cativeiro supostamente ilegais de animais
silvestres da Amazônia (...), o primatologista de origem holandesa Marc van
Roosmalen, 55, convida mais sarna
para se coçar. Seu sítio pessoal na internet (...) oferece mercadoria explosiva: nomes científicos de dezenas de
espécies amazônicas".
Roosmalen propunha o que parecia
um negócio da China para nababos
verdes: homenagear o doador de algo
entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão incluindo seu sobrenome na denominação científica de uma nova espécie
(batizá-la é privilégio do descobridor).
O dinheiro serviria para criar reservas
particulares e assim proteger o habitat do bicho. Não conseguiu freguês
algum -virou escândalo antes.
Qualquer pessoa que tenha dois
neurônios e um mínimo de familiaridade com a Amazônia sabe como é
sensível o tema da biopirataria por lá.
Histeria pura. Estrangeiro interessado em bicho? Gringo loiro no mato?
Está querendo tomar ou roubar alguma coisa da gente.
Não é difícil imaginar que Roosmalen tenha de fato pisado na bola, quer
dizer, cometido ilícitos. Foi condenado, afinal de contas, e salvo melhor
juízo ninguém vai para a cadeia sem
provas. É de supor, também, que tenha feito legiões de inimigos no Inpa
-alguém já disse que instituições acadêmicas são movidas a inveja, mau-caratismo e maledicência.
Se Roosmalen errou, tem de pagar.
Nada de errado aí. Mas quero ver se
vão para a cadeia também os brasileiros da gema que já encontraram um
jeito de falsificar, no Ibama do Pará, o
documento de origem florestal (DOF)
emitido eletronicamente, que deveria
ser à prova de fraude para venda de
madeira ilegal.
MARCELO LEITE é autor do livro "Promessas do Genoma"
(Editora da Unesp, 2007) e responsável pelo blog Ciência
em Dia (www.cienciaemdia.zip.net) .
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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