São Paulo, domingo, 08 de julho de 2007

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+ Marcelo Leite

Herói do planeta na cadeia

Na Amazônia, o tema da biopirataria é sempre sensível

Mesmo quem não conhece pessoalmente o primatologista Marc van Roosmalen pode até admitir sem maiores sustos alguma simpatia por ele. Um mínimo de admiração, vá lá.
Afinal, são poucas as pessoas capazes de encontrar, identificar e descrever cinco novas espécies de primatas em duas décadas de trabalho na selva amazônica. Foi o bastante para a revista norte-americana "Time" incluí-lo numa lista de 14 "Heróis do Planeta", em março de 2000, na companhia de Russell Mittermeier e Robert F. Kennedy, entre outros nomes do "jet set" ambientalista.
Holandês naturalizado brasileiro, o sessentão Roosmalen - "Mister Marco", como é conhecido- foi condenado a 18 meses de detenção por crimes contra a fauna e desvio de dinheiro público, segundo informou reportagem na Folha de 27 de junho. Seu advogado apresentou um pedido de habeas corpus. Roosmalen foi processado por manter 28 macacos em cativeiro em sua casa, sem autorização do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). O primatologista alega que era um hospital veterinário e que foi vítima de armação de madeireiros e outros inimigos da floresta, como noticiou o diário "The Guardian" em 23 de junho.
O pesquisador havia sido alvo também de uma sindicância interna no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), órgão do governo federal onde trabalhara vários anos. Terminou expulso da instituição. Ainda sem conhecê-lo, e sem prejuízo da possibilidade de que tenha agido por má-fé, pode-se concluir que Roosmalen é um ingênuo. Foi o que procurou caracterizar esta coluna, há quase cinco anos (22 de setembro de 2002), quando divulgou a tentativa do especialista em macacos de vender nomes de espécies novas pela internet.
O texto começava assim: "Para quem já está às voltas com uma investigação do Ibama, por captura e cativeiro supostamente ilegais de animais silvestres da Amazônia (...), o primatologista de origem holandesa Marc van Roosmalen, 55, convida mais sarna para se coçar. Seu sítio pessoal na internet (...) oferece mercadoria explosiva: nomes científicos de dezenas de espécies amazônicas".
Roosmalen propunha o que parecia um negócio da China para nababos verdes: homenagear o doador de algo entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão incluindo seu sobrenome na denominação científica de uma nova espécie (batizá-la é privilégio do descobridor). O dinheiro serviria para criar reservas particulares e assim proteger o habitat do bicho. Não conseguiu freguês algum -virou escândalo antes.
Qualquer pessoa que tenha dois neurônios e um mínimo de familiaridade com a Amazônia sabe como é sensível o tema da biopirataria por lá. Histeria pura. Estrangeiro interessado em bicho? Gringo loiro no mato? Está querendo tomar ou roubar alguma coisa da gente. Não é difícil imaginar que Roosmalen tenha de fato pisado na bola, quer dizer, cometido ilícitos. Foi condenado, afinal de contas, e salvo melhor juízo ninguém vai para a cadeia sem provas. É de supor, também, que tenha feito legiões de inimigos no Inpa -alguém já disse que instituições acadêmicas são movidas a inveja, mau-caratismo e maledicência. Se Roosmalen errou, tem de pagar.
Nada de errado aí. Mas quero ver se vão para a cadeia também os brasileiros da gema que já encontraram um jeito de falsificar, no Ibama do Pará, o documento de origem florestal (DOF) emitido eletronicamente, que deveria ser à prova de fraude para venda de madeira ilegal.


MARCELO LEITE é autor do livro "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e responsável pelo blog Ciência em Dia (www.cienciaemdia.zip.net) . E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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