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FÍSICA
O britânico Paul Davies diz que velocidade constante da luz, principal premissa de Albert Einstein, pode estar errada
Observação ameaça teoria da relatividade
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando Albert Einstein iniciou
a árdua batalha para estabelecer o
que hoje é considerada uma das
bases da física moderna, a teoria
da relatividade geral, ele partiu de
uma premissa: a luz, no espaço
vazio, anda sempre à mesma velocidade. Mas o que acontece se esse
pressuposto estiver errado? É
bom a ciência começar a se preocupar com essa questão, porque
um físico britânico diz ter razões
para crer que a velocidade da luz
não é de fato uma constante.
Não é um físico qualquer. Trata-se de Paul Davies, um famoso
cientista e divulgador científico,
que agora está trabalhando na
Universidade Macquarie, em
Sydney (Austrália). Se ele estiver
certo, a teoria mais famosa da física pode cair por terra.
"Isso significaria desistir da teoria da relatividade, de E=mc2 e todas essas coisas", disse Davies à
agência de notícias Reuters sobre
seu trabalho de hoje na revista
"Nature" (www.nature.com).
Suas conclusões são baseadas
em observações de um grupo de
cientistas liderados por John
Webb, da Universidade de Nova
Gales do Sul, na Austrália. No ano
passado, eles anunciaram que a
"assinatura" da luz proveniente
de um objeto muito antigo e distante apresentava uma característica muito incômoda: ela sugeria
que uma das constantes básicas
da física na verdade seria variável.
A constante, representada pela
letra grega alfa, relaciona a interação entre elétrons (partículas de
carga elétrica negativa que compõem a matéria) e fótons (partículas de luz). Na equação, há um
terceiro valor supostamente imutável, a constante de Planck.
Se alfa variasse, seria preciso
que um desses valores, supostamente fixos desde que o tempo é
tempo, fosse variável. Mexer em
qualquer um deles implica desconsiderar vários princípios fundamentais. O que Davies fez em
seu último trabalho -menos de
uma página nas seção "Comunicações Breves" da "Nature"- foi
imaginar um experimento mental
para descobrir qual vespeiro os físicos deveriam cutucar. Após a
análise, escolheu a teoria de Einstein como a mais "descartável".
Catástrofe à vista
Qualquer descarte seria catastrófico. Se fosse a constante de
Planck a variar, sairia perdendo a
teoria que explica o comportamento do mundo microscópico,
testada e retestada diversas vezes.
"Se a constante de Planck estivesse variando, os princípios da mecânica quântica seriam bastante
abalados", diz George Matsas, físico teórico relativista da Unesp.
Davies parte do pressuposto de
que o problema não está aí, o que,
para Matsas, é uma das falhas do
estudo. "Não há razão para descartar a hipótese de o problema
estar na constante de Planck."
Davies começa com duas possibilidades: ou o problema está na
carga do elétron ou na velocidade
da luz. Ele então imagina as duas
hipóteses, num ambiente radicalmente desafiador: um buraco negro. Usando as equações da relatividade, Davies supõe a variação
da carga do elétron, o que o leva a
uma conclusão desconcertante: a
entropia do sistema diminui.
Nesses termos técnicos, não parece particularmente revolucionário. Mas o fato é que a idéia de
que a entropia (o estado de desorganização de um sistema) nunca
diminui, descrita na segunda lei
da termodinâmica, é fundamental para entender o Universo.
"Imagine uma caixa com dois
compartimentos, um cheio de gás
e outro vazio", sugere Matsas para
explicar o quanto essa lei é importante. "Quando fazemos um furo
entre as caixas, o que acontece?" A
resposta óbvia é: o gás se distribui
entre os dois compartimentos,
criando um todo mais homogêneo e, assim, menos organizado.
"Esse é o efeito da entropia. É o
que garante que subitamente o ar
não saia todo da minha sala e vá se
acumular no corredor, me deixando no vácuo. Eu certamente
não gostaria que isso pudesse
acontecer", diz Matsas.
Davies também não quer a
anarquia propiciada pelo fim da
entropia. Por isso acha que a variação deve estar em "c" (a letra
que representa a velocidade da luz
na famosa equação E=mc2).
Se "c" fosse variável, segundo
Davies, a entropia do buraco negro permaneceria coerente com o
que se espera dela, mas a teoria da
relatividade cairia por terra. Matsas aponta que há um problema
nesse raciocínio, uma vez que o
cálculo da entropia do buraco negro é derivado diretamente das
equações de Einstein.
"Davies usa uma teoria, com os
resultados de observações, para
chegar a uma conclusão que contradiz a própria teoria", diz Matsas, apontando um raciocínio circular. Davies reconhece no curto
estudo o risco desse salto, mas sugere que, mesmo com uma equação aperfeiçoada da entropia, "à prova de Einstein", as conclusões seriam as mesmas.
"Jornada nas Estrelas"
Caso as conclusões sejam confirmadas, o impacto para a física
seria devastador. Qual? Ninguém
sabe. "Quando uma das pedras
angulares da física colapsa, não é
óbvio saber em que se agarrar e o
que desconsiderar", diz Davies.
Por isso mesmo, Matsas prefere
uma posição mais conservadora.
"São resultados interessantes,
mas seria preciso antes confirmar
as observações feitas por Webb,
que apresentam uma variação
muito pequena, antes de saltar
para conclusões", diz.
Davies, entretanto, defende que
mesmo entre os destroços há motivos para se animar. "Há uma lei
que diz que nada pode ir mais rápido que a luz, que vem direto da
teoria da relatividade. Talvez seja
possível contornar essa restrição,
o que iria empolgar os fãs de "Jornada nas Estrelas", porque no momento até à velocidade da luz levaria 100 mil anos para atravessar
a galáxia. Seria meio entediante e,
se o limite da velocidade da luz for
excluído, então quem vai saber?
Façam suas apostas."
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