São Paulo, quinta-feira, 08 de agosto de 2002

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FÍSICA

O britânico Paul Davies diz que velocidade constante da luz, principal premissa de Albert Einstein, pode estar errada

Observação ameaça teoria da relatividade

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando Albert Einstein iniciou a árdua batalha para estabelecer o que hoje é considerada uma das bases da física moderna, a teoria da relatividade geral, ele partiu de uma premissa: a luz, no espaço vazio, anda sempre à mesma velocidade. Mas o que acontece se esse pressuposto estiver errado? É bom a ciência começar a se preocupar com essa questão, porque um físico britânico diz ter razões para crer que a velocidade da luz não é de fato uma constante.
Não é um físico qualquer. Trata-se de Paul Davies, um famoso cientista e divulgador científico, que agora está trabalhando na Universidade Macquarie, em Sydney (Austrália). Se ele estiver certo, a teoria mais famosa da física pode cair por terra.
"Isso significaria desistir da teoria da relatividade, de E=mc2 e todas essas coisas", disse Davies à agência de notícias Reuters sobre seu trabalho de hoje na revista "Nature" (www.nature.com).
Suas conclusões são baseadas em observações de um grupo de cientistas liderados por John Webb, da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália. No ano passado, eles anunciaram que a "assinatura" da luz proveniente de um objeto muito antigo e distante apresentava uma característica muito incômoda: ela sugeria que uma das constantes básicas da física na verdade seria variável.
A constante, representada pela letra grega alfa, relaciona a interação entre elétrons (partículas de carga elétrica negativa que compõem a matéria) e fótons (partículas de luz). Na equação, há um terceiro valor supostamente imutável, a constante de Planck.
Se alfa variasse, seria preciso que um desses valores, supostamente fixos desde que o tempo é tempo, fosse variável. Mexer em qualquer um deles implica desconsiderar vários princípios fundamentais. O que Davies fez em seu último trabalho -menos de uma página nas seção "Comunicações Breves" da "Nature"- foi imaginar um experimento mental para descobrir qual vespeiro os físicos deveriam cutucar. Após a análise, escolheu a teoria de Einstein como a mais "descartável".

Catástrofe à vista
Qualquer descarte seria catastrófico. Se fosse a constante de Planck a variar, sairia perdendo a teoria que explica o comportamento do mundo microscópico, testada e retestada diversas vezes. "Se a constante de Planck estivesse variando, os princípios da mecânica quântica seriam bastante abalados", diz George Matsas, físico teórico relativista da Unesp.
Davies parte do pressuposto de que o problema não está aí, o que, para Matsas, é uma das falhas do estudo. "Não há razão para descartar a hipótese de o problema estar na constante de Planck."
Davies começa com duas possibilidades: ou o problema está na carga do elétron ou na velocidade da luz. Ele então imagina as duas hipóteses, num ambiente radicalmente desafiador: um buraco negro. Usando as equações da relatividade, Davies supõe a variação da carga do elétron, o que o leva a uma conclusão desconcertante: a entropia do sistema diminui.
Nesses termos técnicos, não parece particularmente revolucionário. Mas o fato é que a idéia de que a entropia (o estado de desorganização de um sistema) nunca diminui, descrita na segunda lei da termodinâmica, é fundamental para entender o Universo.
"Imagine uma caixa com dois compartimentos, um cheio de gás e outro vazio", sugere Matsas para explicar o quanto essa lei é importante. "Quando fazemos um furo entre as caixas, o que acontece?" A resposta óbvia é: o gás se distribui entre os dois compartimentos, criando um todo mais homogêneo e, assim, menos organizado.
"Esse é o efeito da entropia. É o que garante que subitamente o ar não saia todo da minha sala e vá se acumular no corredor, me deixando no vácuo. Eu certamente não gostaria que isso pudesse acontecer", diz Matsas.
Davies também não quer a anarquia propiciada pelo fim da entropia. Por isso acha que a variação deve estar em "c" (a letra que representa a velocidade da luz na famosa equação E=mc2).
Se "c" fosse variável, segundo Davies, a entropia do buraco negro permaneceria coerente com o que se espera dela, mas a teoria da relatividade cairia por terra. Matsas aponta que há um problema nesse raciocínio, uma vez que o cálculo da entropia do buraco negro é derivado diretamente das equações de Einstein.
"Davies usa uma teoria, com os resultados de observações, para chegar a uma conclusão que contradiz a própria teoria", diz Matsas, apontando um raciocínio circular. Davies reconhece no curto estudo o risco desse salto, mas sugere que, mesmo com uma equação aperfeiçoada da entropia, "à prova de Einstein", as conclusões seriam as mesmas.

"Jornada nas Estrelas"
Caso as conclusões sejam confirmadas, o impacto para a física seria devastador. Qual? Ninguém sabe. "Quando uma das pedras angulares da física colapsa, não é óbvio saber em que se agarrar e o que desconsiderar", diz Davies.
Por isso mesmo, Matsas prefere uma posição mais conservadora. "São resultados interessantes, mas seria preciso antes confirmar as observações feitas por Webb, que apresentam uma variação muito pequena, antes de saltar para conclusões", diz.
Davies, entretanto, defende que mesmo entre os destroços há motivos para se animar. "Há uma lei que diz que nada pode ir mais rápido que a luz, que vem direto da teoria da relatividade. Talvez seja possível contornar essa restrição, o que iria empolgar os fãs de "Jornada nas Estrelas", porque no momento até à velocidade da luz levaria 100 mil anos para atravessar a galáxia. Seria meio entediante e, se o limite da velocidade da luz for excluído, então quem vai saber? Façam suas apostas."



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