São Paulo, segunda-feira, 08 de outubro de 2007

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"Nasci novamente", diz dona-de-casa

Em Salvador, experiência com células-tronco mostra um caminho promissor para os portadores de anemia falciforme

Só na Bahia, 12 pacientes já receberam os transplantes e outros 18 estão na fila; alguns deles conseguiram até jogar bola outra vez

Edson Ruiz/Folha Imagem
O médico Gildásio Daltro (ao centro) e os pacientes Hugo de Souza e Ana Cristina Souza, que são tratados com células-tronco na Universidade Federal da Bahia

LUIZ FRANCISCO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SALVADOR

Quem vê a disposição e o bom humor demonstrados pela dona-de-casa baiana Ana Cristina Oliveira Luz Souza, 37, não imagina o seu sofrimento até o primeiro semestre do ano passado, quando se submeteu a um implante de células-tronco para combater os efeitos da anemia falciforme.
"Minha primeira crise aconteceu quando tinha um ano. Depois, na adolescência e juventude, passei por várias cirurgias, perdi os dentes, entrei em depressão, fiz transfusões, e os médicos não conseguiram identificar o meu problema. Só aos 27 anos, quando trabalhava de caixa em um supermercado, e os clientes fugiam de mim pensando que eu tinha hepatite, soube que o meu problema era a anemia falciforme", disse.
Até ser operada no Hospital das Clínicas de Salvador pelo médico Gildásio Daltro, a dona-de-casa não conseguia caminhar mais do que 20 minutos. "Eu ficava praticamente em casa, tinha vergonha de sair com os meus amigos para fazer as coisas mais simples, como ir à praia ou a um restaurante."
Depois da primeira cirurgia [na perna do lado esquerdo], Ana Cristina realizou um sonho de quase toda criança -andar de bicicleta.
"Minha vida passou por uma mudança completa depois da operação. Agora, convivo melhor com a doença e sei que posso fazer muitas coisas que antes, para mim, eram impossíveis por causa das fortes dores, como andar de bicicleta."
Desde que foi operada, a dona-de-casa retorna a cada quatro meses ao Hospital das Clínicas para ser avaliada. "Os resultados são excelentes e ela vai ficar ainda melhor depois de ser operada do lado direito", disse Gildásio Daltro.

Nas quatro linhas
Policial militar à disposição da governadoria, Hugo Sérgio Miranda de Souza, 43, também fez o implante de células-tronco em março do ano passado. "Sentia dores terríveis pelo corpo, tinha muitas dificuldades para dirigir, andar com rapidez ou fazer qualquer tipo de exercício físico."
Após a cirurgia, Souza joga futebol duas vezes por semana. "Meus dois irmãos, que também têm a doença, não conseguem mais dirigir e jogar futebol. Quando caminham 15 minutos, têm de parar por causa das dores." "Minha auto-estima aumentou muito e vai ficar ainda melhor quando eu for operado do lado esquerdo."
Segundo o médico Gildásio Daltro, 12 pacientes já realizaram implantes de células-tronco no Estado -outros 18 estão na fila. "Os estudos demonstram que cerca de 15% da população de Salvador (cerca de 400 mil pessoas) é portadora da anemia falciforme ou tem o traço da doença.
A anemia falciforme, que é incurável, tem causa genética e atinge em grande parte os afrodescendentes. As complicações aparecem por causa de uma deformação que ocorre nas membranas dos glóbulos vermelhos. Milhões dessas células circulam por todo o corpo.
Com a deformação genética, os glóbulos vermelhos, em vez de facilitar, passam a impedir a circulação e a oxigenação do sangue. É o momento em que os problemas de saúde começam a aparecer.
O histórico da doença mostra que a África é o continente que mais tem pessoas com o tipo de mutação genética que acaba provocando o aparecimento da anemia falciforme. Os pacientes sofrem bastante com problemas nos ossos das pernas, principalmente no fêmur.
Algumas pessoas podem herdar o gene defeituoso para a anemia apenas do pai ou da mãe. Nesse caso, apesar de elas terem o traço da doença, terão uma vida saudável. A doença aparece quando a pessoa herda genes defeituosos tanto do pai quanto da mãe.


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