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"Fábrica" de proteína leva Nobel de química
Trio de cientistas elucidou estrutura do ribossomo, que extrai informações do código genético para dar vida à célula
Pesquisadora israelense que iniciou trabalho enfrentou
o ceticismo dos próprios colegas na década de 1980 quando propôs empreitada
RICARDO MIOTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O Prêmio Nobel de Química
de 2009 foi concedido, ontem, a
três cientistas que explicaram
átomo por átomo um processo
fundamental para a biologia: a
transformação das informações do DNA em proteínas, moléculas que efetivamente põem
a vida em movimento. Ada Yonath, 70, Venkatraman Ramakrishnan, 57, e Thomas Steitz,
69, determinaram a estrutura
dos ribossomos, as "fábricas"
de proteínas das células.
O trabalho foi considerado
importante porque o DNA na
verdade carrega apenas instruções. O ribossomo é o local onde o código genético se transforma em hormônios, anticorpos ou enzimas. O trabalho
vencedor do Nobel impactou a
medicina, pois a estratégia de
muitos antibióticos usados hoje é atacar justamente o ribossomo das bactérias.
Determinar a estrutura de
um complexo proteico tão
grande quanto o ribossomo,
porém, não foi tarefa fácil.
Quando, no fim da década de
1970, Yonath, do Instituto
Weizmann, de Rehovot (Israel), se propôs a fazer o trabalho, os colegas acharam que estava maluca. Ramakrishnan, da
Universidade de Cambridge
(Reino Unido), e Steitz, da Universidade Yale, de New Haven
(EUA), porém, discordavam.
O que o trio fez foi usar um
método chamado cristalografia
de raios X, que usa esse tipo de
luz para localizar as posições de
cada um dos átomos de uma
molécula. Assim foi possível
entender como é o ribossomo.
Não só isso: eles criaram
também modelos em 3-D que
mostram como antibióticos
atacam os ribossomos, fazendo
com que a pesquisa farmacêutica pudesse dar um salto.
"O medicamento tem de se
encaixar no ribossomo para
bloquear a sua ação. Conhecendo a forma do ribossomo, que é
como uma fechadura, a gente
sabe qual "chave" usar", explica
Julio Schpector, químico da
Universidade Federal de São
Carlos que já trabalhou no
mesmo laboratório de Yonath.
Curiosidade prática
Os ganhadores do Nobel de
química de 2009, porém, não
buscavam antibióticos quando
começaram suas pesquisas, décadas atrás. A Academia Real
Sueca de Ciências, que oferece
o prêmio, declarou que o trabalho dos três é um exemplo de
como "pesquisa guiada pela curiosidade pode ter uso prático".
O prêmio para a determinação da estrutura do ribossomo
pode ser encarada como o fim
de uma longa trilogia. Ela começou em 1962, quando James
Watson, Francis Crick e Maurice Wilkins ganharam o Nobel
de Medicina e Fisiologia ao determinar a estrutura atômica
das moléculas de DNA.
Mais de 40 anos depois, em
2006, Roger Kornberg foi premiado por descrever o RNA
mensageiro - o "garoto de recados" da célula, responsável
por levar as informações do
"manual de instruções", o
DNA, para a "fábrica", o ribossomo. Faltava o fim da história.
Agora, finalmente, o Nobel
foi concedido a quem estudou o
término da linha: como o ribossomo lê as informações trazidas pelo RNA mensageiro e cria
as proteínas de que o corpo precisa. Cientistas que trabalhavam na área já cobravam reconhecimento. "A gente sempre
esperava que viesse um Prêmio
Nobel", diz Schpector.
Nada mudou?
Esperado ou não, o prêmio
deixou os ganhadores num estado de alegria tão eufórico que
mal sabiam o que dizer à imprensa. "Eu me sinto fantástico. Você é do Brasil? Eu já estive no Brasil, mas agora eu nem
consigo lembrar quando foi isso", disse à Folha Steitz, por telefone. "Acho que [o Nobel]
não vai mudar nada no meu
trabalho, na minha pesquisa,
mas é fantástico."
Schpector afirma que Yonath foi a pioneira entre os
três, em parte por sua ousadia
em decidir atacar um problema
tão difícil. " Diziam que estava
jogando dinheiro fora", conta.
Até a década de 80, todos
complexos moleculares mapeados em 3-D por cristalografia eram bem menores - "as
pessoas trabalhavam com compostos de 10 mil, 15 mil átomos", diz Schpector. Yonath
queria aplicar a cristalografia a
ribossomos, que possuem milhões de átomos e são muito
mais complexos que o DNA,
por exemplo. Ramakrishnan e
Steitz se juntaram a ela depois.
Mas os céticos estavam certos em dizer que era um trabalho difícil: só foi possível obter
o mapa completo dos átomos
do ribossomo no ano 2000.
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