São Paulo, quinta-feira, 08 de outubro de 2009

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"Fábrica" de proteína leva Nobel de química

Trio de cientistas elucidou estrutura do ribossomo, que extrai informações do código genético para dar vida à célula

Pesquisadora israelense que iniciou trabalho enfrentou o ceticismo dos próprios colegas na década de 1980 quando propôs empreitada


RICARDO MIOTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O Prêmio Nobel de Química de 2009 foi concedido, ontem, a três cientistas que explicaram átomo por átomo um processo fundamental para a biologia: a transformação das informações do DNA em proteínas, moléculas que efetivamente põem a vida em movimento. Ada Yonath, 70, Venkatraman Ramakrishnan, 57, e Thomas Steitz, 69, determinaram a estrutura dos ribossomos, as "fábricas" de proteínas das células.
O trabalho foi considerado importante porque o DNA na verdade carrega apenas instruções. O ribossomo é o local onde o código genético se transforma em hormônios, anticorpos ou enzimas. O trabalho vencedor do Nobel impactou a medicina, pois a estratégia de muitos antibióticos usados hoje é atacar justamente o ribossomo das bactérias.
Determinar a estrutura de um complexo proteico tão grande quanto o ribossomo, porém, não foi tarefa fácil. Quando, no fim da década de 1970, Yonath, do Instituto Weizmann, de Rehovot (Israel), se propôs a fazer o trabalho, os colegas acharam que estava maluca. Ramakrishnan, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), e Steitz, da Universidade Yale, de New Haven (EUA), porém, discordavam.
O que o trio fez foi usar um método chamado cristalografia de raios X, que usa esse tipo de luz para localizar as posições de cada um dos átomos de uma molécula. Assim foi possível entender como é o ribossomo.
Não só isso: eles criaram também modelos em 3-D que mostram como antibióticos atacam os ribossomos, fazendo com que a pesquisa farmacêutica pudesse dar um salto.
"O medicamento tem de se encaixar no ribossomo para bloquear a sua ação. Conhecendo a forma do ribossomo, que é como uma fechadura, a gente sabe qual "chave" usar", explica Julio Schpector, químico da Universidade Federal de São Carlos que já trabalhou no mesmo laboratório de Yonath.

Curiosidade prática
Os ganhadores do Nobel de química de 2009, porém, não buscavam antibióticos quando começaram suas pesquisas, décadas atrás. A Academia Real Sueca de Ciências, que oferece o prêmio, declarou que o trabalho dos três é um exemplo de como "pesquisa guiada pela curiosidade pode ter uso prático".
O prêmio para a determinação da estrutura do ribossomo pode ser encarada como o fim de uma longa trilogia. Ela começou em 1962, quando James Watson, Francis Crick e Maurice Wilkins ganharam o Nobel de Medicina e Fisiologia ao determinar a estrutura atômica das moléculas de DNA.
Mais de 40 anos depois, em 2006, Roger Kornberg foi premiado por descrever o RNA mensageiro - o "garoto de recados" da célula, responsável por levar as informações do "manual de instruções", o DNA, para a "fábrica", o ribossomo. Faltava o fim da história.
Agora, finalmente, o Nobel foi concedido a quem estudou o término da linha: como o ribossomo lê as informações trazidas pelo RNA mensageiro e cria as proteínas de que o corpo precisa. Cientistas que trabalhavam na área já cobravam reconhecimento. "A gente sempre esperava que viesse um Prêmio Nobel", diz Schpector.

Nada mudou?
Esperado ou não, o prêmio deixou os ganhadores num estado de alegria tão eufórico que mal sabiam o que dizer à imprensa. "Eu me sinto fantástico. Você é do Brasil? Eu já estive no Brasil, mas agora eu nem consigo lembrar quando foi isso", disse à Folha Steitz, por telefone. "Acho que [o Nobel] não vai mudar nada no meu trabalho, na minha pesquisa, mas é fantástico."
Schpector afirma que Yonath foi a pioneira entre os três, em parte por sua ousadia em decidir atacar um problema tão difícil. " Diziam que estava jogando dinheiro fora", conta.
Até a década de 80, todos complexos moleculares mapeados em 3-D por cristalografia eram bem menores - "as pessoas trabalhavam com compostos de 10 mil, 15 mil átomos", diz Schpector. Yonath queria aplicar a cristalografia a ribossomos, que possuem milhões de átomos e são muito mais complexos que o DNA, por exemplo. Ramakrishnan e Steitz se juntaram a ela depois.
Mas os céticos estavam certos em dizer que era um trabalho difícil: só foi possível obter o mapa completo dos átomos do ribossomo no ano 2000.


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