São Paulo, domingo, 09 de janeiro de 2005

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+ ciência

Pesquisadores argumentam que civilizações alienígenas podem ter deixado sinais de sua existência no Sistema Solar

ETs no quintal da humanidade

Divulgação
No filme "2001: Uma Odisséia no Espaço", astronautas caminham pela Lua, onde encontram um artefato alienígena


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O problema é velho algoz dos entusiastas da caça a possíveis sinais de rádio provenientes de civilizações extraterrestres: se há alienígenas lá fora, por que ainda não os encontramos, mesmo após décadas de busca por suas transmissões? Desde a primeira tentativa de usar radiotelescópios para captar sinais de ETs inteligentes, feita pelo astrofísico norte-americano Frank Drake em 1960, algumas poucas emissões pareceram suspeitas, mas nunca se repetiram -portanto, ficaram para a história mais como mistérios do que como evidências de alienígenas. O fato de que ninguém achou nada é, desde sempre, um dos mais fortes argumentos contra a Seti (busca por inteligência extraterrestre, na popular sigla em inglês). Jocosamente formulado pelo físico italiano Enrico Fermi (1901-1954), ele postula que os ETs não existem simplesmente porque não vimos nenhuma evidência deles. Claro, os entusiastas da busca já propuseram 1 milhão de explicações para o porquê de não os termos encontrado. A mais interessante delas só começa a ganhar contornos científicos mais precisos agora. Segundo Christopher Rose, da Universidade Rutgers, e Gregory Wright, da Antiope Associates, ambos nos EUA, os ETs logo descobriram que mandar sinais de rádio não seria o melhor meio de se comunicar com outras civilizações. Em vez disso, sacaram que é mais eficaz enviar mensagens fisicamente -via naves espaciais ou coisa que o valha- do que ondas eletromagnéticas. À primeira vista, parece um absurdo: até para o ET de Steven Spielberg telefonar era preferível a mandar uma carta. Afinal, os sinais de rádio viajam pelo espaço sideral na velocidade máxima permitida no Universo (a da luz, cerca de 300 mil quilômetros por segundo). Um artefato físico, quando muito, chegaria a uma fração dessa velocidade, e a um custo energético brutal. Acontece que o interurbano de uma ligação interestelar também não é nada baratinho. E o que Rose e Wright perceberam é que, se a distância entre as duas civilizações for muito grande, começa a custar mais energia para mandar um sinal de rádio suficientemente forte a ponto de ser detectável do que despachar uma nave espacial. Caso eles estejam certos, isso pode mudar o paradigma de como se procura sinais de ETs. O artigo de Rose e Wright, em que aparecem todas as contas complicadas comprovando a eficiência do correio interestelar sobre as companhias telefônicas espaciais, foi publicado em setembro no prestigioso periódico científico britânico "Nature" (www.nature.com).

Para levar a sério
A noção de que alienígenas podem ter deixado sinais de sua existência no Sistema Solar não é exatamente uma novidade. No filme "2001: Uma Odisséia no Espaço" (1968), o escritor Arthur Clarke e o diretor Stanley Kubrick narram a história da descoberta de várias sondas extraterrestres -os famosos "monolitos"- na superfície da Lua e ao redor de Júpiter. Ficção é ficção, mas muita gente via na idéia um fundo de realidade. Robert Freitas Jr., um pesquisador americano descendente de portugueses que agora concentra seus esforços em estudos de nanotecnologia, orgulha-se de ter batizado, nos anos 1980, o esforço que deve ganhar cada vez mais força no futuro. Em vez de Seti, Seta: a busca por artefatos extraterrestres, na sigla inglesa. Para ele, a maioria dos pesquisadores até agora tem evitado pensar a partir desse ângulo por medo de que, aos olhos do público, eles fiquem associados aos pseudocientistas que defendem as hipóteses de "deuses astronautas" e discos voadores. "Muitos rejeitam o conceito por achar que ele lembra esse tipo de coisa", disse Freitas à Folha. Daí a importância da publicação de Rose e Wright, ainda mais numa revista de peso, como a sisuda britânica "Nature": ela marca o ponto em que a idéia passa a ganhar contornos mais firmes de ciência aceita, com base em cálculos e estimativas. Foi desse mesmo jeito que a pesquisa de Seti tradicional nasceu, impulsionada por um artigo publicado em setembro de 1959 na mesma "Nature", escrito pelos astrofísicos Philip Morrison e Giuseppe Cocconi, então na Universidade Cornell, em Ithaca, Nova York (EUA). Ali eles apresentaram a lógica por trás da busca de sinais de rádio vindos de civilizações alienígenas, que acabou colocada em prática no ano seguinte por Drake, no projeto Ozma.

Menor é melhor
Ainda nos anos 1980, Freitas Jr. chegou a conduzir buscas telescópicas por artefatos de outras civilizações. "Se houvesse algum, eu esperaria que ele estivesse postado num dos pontos de libração do sistema Terra-Lua", diz.
Os pontos de libração (ou de Lagrange), no caso, são os locais em que a gravidade da Terra e da Lua se compensam exatamente, tornando a região um "estacionamento" natural para naves espaciais. Com seu colega Francisco Valdes, Freitas Jr. procurou, mas não encontrou nada.
Apesar do fracasso, ele diz que não é razão para desistir -não ainda. Somente a partir dos anos 1990 começou a ficar claro para os cientistas o (quase) infinito potencial da nanotecnologia, a construção de dispositivos tão capazes quanto os computadores atuais, mas tão pequenos quanto uns poucos milionésimos de milímetro. Hoje, como pesquisador do Instituto de Manufatura Molecular, na Califórnia, Freitas Jr. está convencido de que os artefatos ETs, caso existam no Sistema Solar, serão muito pequenos -virtualmente indetectáveis por meio de telescópios.
Do ponto de vista dos ETs, o tamanho diminuto sem dúvida é boa pedida. Quanto menor o artefato, menos energia seria gasta para impulsioná-lo até aqui, vindo das profundezas do cosmos. Para Freitas Jr., já é hora de retomar as buscas, desta vez enviando sondas para perscrutar o vazio dos pontos de libração, à procura dos brinquedinhos alienígenas.
Rose e Wright são mais conservadores. Trabalhando no problema nas horas vagas, eles dizem estar pensando em algo. Até agora, no entanto, a dupla diz não ter a menor idéia de qual seria o melhor método para procurar as sondas ETs no Sistema Solar -ou mesmo onde procurá-las. "Mas estamos trabalhando nisso", assevera Rose.


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