São Paulo, terça-feira, 09 de janeiro de 2007

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Setor alimentício distorce pesquisas, afirma estudo

Artigos financiados pela indústria têm resultados até oito vezes mais favoráveis a ela

Análise foi feita com 206 trabalhos publicados entre 1999 e 2003; cientistas que têm financiamento privado dizem ser independentes

Eduardo Verdugo/Associated Press
Vendedor arruma bebidas em banca na Cidade do México


ANDREW JACK
DO FINANCIAL TIMES

Um grupo de médicos alertou ontem para a necessidade da criação de mecanismos de financiamento independente para pesquisas na área de nutrição. Isso ocorreu depois da publicação de um estudo que mostra que os trabalhos financiados pela indústria alimentícia são bastante distorcidos a favor dos patrocinadores.
A pesquisa, publicada pela revista científica "PLoS Medicine", dos Estados Unidos, revela o efeito do conflito de interesses existente em vários dos textos acadêmicos analisados.
Os artigos bancados pelo setor de sucos, refrigerantes e bebidas lácteas foram oito vezes mais favoráveis às empresas que os financiaram em relação aos trabalhos que receberam dinheiro público. A pesquisa levou em conta para esse cálculo específico 62 artigos (206 foram analisados no total), publicados de 1999 a 2003.
"Esses dados indicam que o conflito de interesses pode produzir um impacto negativo na saúde pública", disse David Ludwig, professor de pediatria no Hospital da Criança, em Boston, EUA.
Os resultados chegam em um período complicado para a indústria de comida e bebida. O setor está sob fogo cruzado por causa das campanhas de marketing feitas nos últimos anos, que teriam contribuído para aumentar os níveis de obesidade ao redor do mundo.
Enquanto os pesquisadores vêm analisando de forma crítica os efeitos da indústria farmacêutica na publicação de resultados sobre novas drogas, o estudo publicado agora é o primeiro a fazer os mesmos enlaces para a nutrição.
"A distorção na indústria farmacêutica atinge aqueles milhões de pessoas que tomam remédios. Mas, no caso do setor alimentício, isso atinge todos nós", disse Ludwig.
O pesquisador também não criticou os outros cientistas. "Muitos são dedicados e éticos. Mas quando o governo reduz as verbas para a pesquisa, fica muito difícil resistir ao dinheiro da indústria."

Relações perigosas
Marion Nestle, professora de nutrição na Universidade de Nova York, e crítica de longa data do setor alimentício, agradeceu aos autores do estudo.
"Eles fizeram algo bastante útil. Você pode pegar ao acaso qualquer pesquisa. Se ela falar bem (do alimento ou da bebida), você sabe que aquilo foi patrocinado pelo setor."
Para Zoe Dunford, do Instituto de Pesquisa em Alimentos de Norwich, na Inglaterra, essa relação com o setor industrial não é tão promíscua assim.
"Nossa organização assina contratos com a indústria nos quais fica claro que estamos livres para publicar os resultados, mesmo que eles sejam negativos", disse a pesquisadora.
Dunford citou um dos trabalhos já feitos por ela, em que os dados finais foram publicados, mesmo eles sendo negativos. "No caso, era uma bebida probiótica. Ficou claro que ela não ajudava em nada a melhorar a saúde das pessoas que a bebessem", afirmou.


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