São Paulo, terça-feira, 09 de março de 2004

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ESPAÇO

Plano de 20 meses para lançamento do VLS-1 é negociado pelo Ministério da Defesa sem consulta à agência espacial

Russos farão revisão de foguete brasileiro

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando apresentar o relatório da investigação do acidente que matou 21 pessoas em Alcântara, o Ministério da Defesa também deve revelar a solução que encontrou para lançar o quarto protótipo do VLS-1 (Veículo Lançador de Satélites) até 2006, como prometido pelo presidente da República: pedir socorro aos russos.
Um acordo entre autoridades brasileiras e russas já está em fase de discussão para implementação, e reuniões de engenheiros estrangeiros com gerentes do projeto do lançador têm acontecido repetidas vezes no IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço) do CTA (Centro Técnico Aeroespacial), entidade militar responsável pelo desenvolvimento do VLS-1.
Segundo a Folha apurou, o projeto envolve um trabalho planejado para durar 20 meses -cumprindo a meta de lançar o foguete ainda no mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a despeito das perdas humanas e materiais causadas pelo acidente, ocorrido em 22 de agosto do ano passado.
Os quatro primeiros meses envolverão um trabalho de revisão crítica do projeto, em que os russos poderão fazer sugestões de alterações em alguns dos elementos do veículo lançador nacional. Por esse trabalho de revisão dos sistemas, o governo brasileiro desembolsará cerca de US$ 1 milhão.
A ele se seguirá um trabalho continuado de preparação dos elementos para o lançamento, feito totalmente sob supervisão russa. Envolverá treinamento de técnicos responsáveis pela montagem e pelos testes das partes do veículo, revisão dos procedimentos de operações e até a inclusão de itens de bloqueio do acionamento intempestivo do mecanismo acionador dos motores.
Foi justamente o disparo prematuro de um dos motores do primeiro estágio, por uma corrente elétrica de origem desconhecida, que causou o acidente no Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Os 21 técnicos e engenheiros que trabalhavam na plataforma de lançamento foram incinerados quando o acionamento do motor levou à queima de todos os estágios do foguete, abarrotados por 41 toneladas de combustível sólido. Torre de integração, lançador e satélites em seu interior foram destruídos.
Era consenso entre especialistas que não seria possível repor as perdas e corrigir os problemas do programa em tempo para realizar um novo lançamento em 2006. O plano de pagar pelo auxílio russo contorna essas dificuldades, mas deixa dúvidas sobre se os reais problemas circundando as falhas do VLS serão solucionados.
O relatório da investigação, já concluído sob a coordenação do brigadeiro-do-ar Marco Antonio Couto do Nascimento, apontará uma série de falhas na observância de procedimentos de segurança durante a preparação do terceiro protótipo do VLS, o que acabou levando à catástrofe.
O documento também trará sugestões para aprimorar o programa. Mas não terá uma causa exata para o acidente -o que reforça a necessidade de corrigir as falhas gerenciais e estruturais do programa, que é supostamente civil, mas está sob comando militar, numa instituição militar.
A AEB (Agência Espacial Brasileira), que em tese deveria coordenar as atividades do programa espacial, não participou, nem foi notificada, das negociações que trouxeram os russos para a revisão e o desenvolvimento do quarto protótipo do VLS-1. Todas as tratativas foram conduzidas pelo Ministério da Defesa.
Segundo a Folha apurou na agência brasileira, ela só está participando das discussões de um projeto de cooperação mais amplo com os russos no futuro desenvolvimento de veículos lançadores. Seria um projeto de longo prazo, com duração de mais de uma década, envolvendo cifras na casa das centenas de milhões de dólares. Estaria contemplado aí o futuro da série VLS, com o desenvolvimento de sucessores do primeiro lançador brasileiro, fazendo uso de tecnologias mais sofisticadas de propulsão líquida.
Por ora, o relatório da investigação segue em repouso na mesa do ministro da Defesa José Viegas, após ter sido levado a Brasília em 18 de fevereiro. "A última notícia que eu tive era da expectativa de ir a Brasília na quinta ou na sexta-feira após o Carnaval, para fazermos uma apresentação", diz Luciano Varejão, um dos membros da comissão. "Mas não ouvi mais nada desde então. Estou achando até estranho esse negócio. Estou tão ansioso quanto vocês."


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