São Paulo, terça-feira, 09 de março de 2004

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NEUROCIÊNCIA

Estudo usou celulose de consistência viscosa

Centros de recompensa no cérebro ignoram ingestão de falsa gordura

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL A NATAL

O organismo humano é viciado em comer gordura. Mas um estudo feito por um brasileiro no Reino Unido mostra que não adianta tentar enganar a pessoa usando uma falsa gordura. O cérebro não se deixa ludibriar e continua clamando pelo alimento que, em excesso, causa problemas variados.
"Com a gordura, os sinais de saciedade parecem não funcionar", diz Ivan Eid de Araújo, 32, pesquisador da Universidade Oxford. "E não está claro na teoria como se dá o controle do apetite pelo sistema nervoso central."
Araújo decidiu testar se haveria um aspecto sensorial ligado ao tema. As pessoas tendem a usar a viscosidade e a textura para identificar o grau de "gordurice" de um alimento. Por isso, ele optou por usar em seus experimentos com voluntários uma espécie de celulose comestível com alto grau de viscosidade, que as pessoas associavam com gordura.
O estudo foi apresentado no 1º Simpósio de Neurociências de Natal, encerrado anteontem.
Além de não ter gosto nem cheiro, a substância podia ter seu grau de viscosidade alterado de acordo com a necessidade do experimento. Um óleo de cozinha tradicional -ou seja, gordura de verdade- também foi usado.
Araújo mapeou o local do cérebro estimulado pelo consumo desses alimentos usando o método já clássico de ressonância magnética funcional, que permite visualizar quais pontos estão ativos.
Duas áreas responderam à gordura, o córtex pré-frontal ventromedial e o estriado ventral. "São áreas ligadas à recompensa", diz Araújo. Ou seja, o cérebro interpreta a gordura como algo bom. E se comporta como um viciado: quanto mais, melhor.
Essa atração se explica pela evolução humana. Na pré-história era muito mais difícil a obtenção de alimentos de alto teor energético. Havia estímulo para o corpo humano evoluir achando que gordura era algo importante.
Já a falsa gordura não ativou as mesmas regiões, apesar de parecer mais adiposa que a gordura verdadeira. "As áreas de recompensa não apareceram para a simples viscosidade", diz o pesquisador. Apesar de a pessoa achar que estava comendo gordura, seu cérebro não se deixou enganar.
A indústria de alimentos tem interesse em conseguir compostos que simulem a gordura e seus efeitos nos circuitos de recompensa, sem efeito colateral.


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