São Paulo, terça-feira, 09 de março de 2010

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Cura com célula de embrião ainda levará décadas, diz biólogo

Americano Gerald Schatten, 60, diz duvidar que terapias em seres humanos sejam criadas durante seu tempo de vida

"Sobrevivente" de escândalo de fraude, cientista fará parceria com brasileiro; para ele, célula autorizada por lei nacional pode não ser útil

REINALDO JOSÉ LOPES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O biólogo americano Gerald Schatten compara o potencial das pesquisas com células-tronco às façanhas sonhadas pelos alquimistas, mas reconhece que os cientistas de hoje estão longe da pedra filosofal.
"Rezo para que terapias com base nessas células se tornem disponíveis. Mas não sei mais se isso vai acontecer no meu tempo de vida", disse Schatten, que tem 60 anos, a uma plateia de estudantes e cientistas na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Professor da Universidade de Pittsburgh (Estados Unidos) e um dos principais especialistas em células-tronco no mundo, Schatten está no Brasil para iniciar parcerias com os pesquisadores brasileiros da área, como o grupo de Stevens Rehen, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ.
Relaxado e desenvolto nas piadas durante sua apresentação, Schatten parece ter superado o episódio mais polêmico de sua carreira: a parceria com o sul-coreano Hwang Woo-suk. Durante a colaboração, a dupla conseguiu criar o primeiro cão clonado do mundo e também publicou um artigo na revista "Science" detalhando a produção de 11 linhagens de células-tronco derivadas de embriões humanos clonados.
Vista como marco, a pesquisa se revelou uma fraude. Como os experimentos foram feitos na Coreia do Sul, Hwang acabou sendo responsabilizado. Schatten foi alvo de uma investigação em sua universidade, mas foi inocentado de participação na fraude. Ele diz que fez o possível para esclarecer a situação (leia texto à direita).

Fusão a frio
"As células-tronco podem se revelar tão importantes para a saúde humana quanto os antibióticos e as técnicas de anestesia. Ou podem ser como a fusão a frio [suposta técnica de produzir energia quase ilimitada via fusão nuclear em baixas temperaturas, panaceia hoje considerada impossível]. Nós simplesmente não sabemos", disse o biólogo à Folha.
Paradoxalmente, afirma o pesquisador, a comunidade científica deveria assumir um papel duplo: manter o entusiasmo de pesquisa e, ao mesmo tempo, diminuir as expectativas do público em relação a curas milagrosas.
Schatten elogiou os estudos brasileiros com células-tronco embrionárias (consideradas as mais versáteis de todas, obtidas de embriões com poucos dias de vida) e também com as células adultas revertidas por manipulação genética a um estado embrionário, as chamadas iPS.
"A juventude e o entusiasmo de vocês são inspiradores", afirmou ontem. Apesar da verba modesta do país -cerca de R$ 10 milhões, contra os cerca de R$ 5 bilhões investidos apenas pelo Estado norte-americano da Califórnia EUA-, Schatten diz que os brasileiros podem competir com os principais grupos de pesquisa do mundo. "A chance de descobertas realmente impactantes não depende só do dinheiro. E boa parte dos bilhões da Califórnia estão sendo investidos na construção de prédios novos", declarou o pesquisador.
Schatten também lançou dúvidas sobre a verdadeira utilidade das células-tronco obtidas de embriões descartados pelas clínicas de fertilização -os únicos que podem ser usados para pesquisa, segundo a legislação brasileira.
Como os embriões descartados normalmente são os menos viáveis para gerar uma gravidez e têm a carga genética de casais inférteis, pode ser que eles sejam "anormais" por natureza, o que atrapalharia a atividade das células-tronco vindas deles. "Além disso, têm DNA de casais capazes de pagar pela fertilização in vitro -ou seja, com maior chance de serem de origem europeia, sem representar toda a diversidade genética da população", diz.


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