|
Texto Anterior | Índice
CIÊNCIA
Médicos justificam emprego de substâncias inócuas, em vez de remédios, em estudos sobre tratamentos de Aids
Uso de gestantes-cobaias é aprovado
DANIELA SANDLER
da Reportagem Local
O uso de placebos (substâncias
inócuas) em vez de medicamentos
em pesquisas com gestantes portadoras de HIV foi considerado eticamente correto por um consenso
entre pesquisadores, médicos e administradores de saúde nos EUA.
Segundo a declaração desses
profissionais, publicada no sábado
na revista médica britânica "The
Lancet", o procedimento, que causou controvérsia, é justificado "em
certas circunstâncias".
Outros médicos acham que nada
justifica que pessoas recebam
substâncias inócuas quando a medicação para tratá-las é conhecida.
O debate que motivou a declaração começou em 1997, quando a
revista norte-americana "The New
England Journal of Medicine" publicou textos condenando o uso de
placebos em testes feitos em países
subdesenvolvidos.
"Única alternativa"
Os testes foram feitos na Tailândia, em Burkina Fasso e na Costa
do Marfim, e seus resultados foram publicados na mesma edição
da revista "The Lancet" em que
aparece a declaração.
Nesses testes, os pesquisadores
queriam saber se o uso de zidovudina (conhecida pelo nome comercial de AZT) por curtos períodos reduziria o risco de o recém-nascido ser infectado pelo HIV durante o parto.
Em outras palavras, queriam saber se pouco AZT é melhor do que
nenhum AZT. Para isso, escolheram, ao acaso, um grupo de controle entre as gestantes soropositivas estudadas. Esse grupo recebeu
placebo -substâncias sem efeito.
Os pesquisadores concluíram
que o tratamento com AZT por
uma média de 20 dias reduziu em
50% o risco de a mãe transmitir
HIV ao filho.
A cientista norte-americana Catherine Wilfert, co-autora da declaração favorável ao placebo, disse à Folha que não havia outra maneira de provar a eficácia do tratamento curto, e que esse tratamento
é a única alternativa em países pobres, onde o governo não tem como fornecer medicamentos por
períodos mais longos.
A pesquisadora norte-americana
Marcia Angell havia argumentado
na "New England", em 1997, que
testes que comparem dois tratamentos só são justificados quando
não há certeza sobre qual procedimento é melhor.
Para ela, o placebo só é justificado quando não existe nenhum tratamento efetivo conhecido, apenas
tratamentos ainda não-testados.
O médico Marco Segre, membro
da Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa, disse à Folha que um benefício coletivo obtido por pesquisas com placebo não pode prevalecer sobre a vida do indivíduo.
Para Cláudio Cohen, professor
de bioética da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São
Paulo), "se a pesquisa implica risco
de vida, deixa de ser ética".
Ele chamou a atenção para o fato
de os testes terem sido feitos em
países subdesenvolvidos. "Em países desenvolvidos, você não pode
fazer pesquisa científica sem passar por comissões de ética."
Segundo Pedro Paulo Monteleone, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São
Paulo, uma pesquisa do gênero
não seria aprovada no Brasil.
Guido Levi, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, disse que as
gestantes dos países onde foram
feitas as pesquisas não teriam recebido nada se não fossem os estudos. "Não se pode dizer rigidamente que a pesquisa seja antiética. É antiético que, em alguns lugares, ela seja a única opção."
Texto Anterior: Nasa anuncia novo centro espacial Índice
|